O dia 7 de fevereiro de 2017 jamais será esquecido pela servidora pública Débora Ferreira de Andrade. Auxiliar do então secretário de Infraestrutura de Queimadas, município do território do sisal, ela diz ter sofrido assédio sexual pelo então chefe. O acusado é Lázaro José dos Santos Silva, vereador licenciado da cidade, hoje diretor da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia, o caso virou um processo cível que está parado no Tribunal de Justiça da Bahia. Sete anos depois, a mulher resolve abrir o jogo e contar tudo que teria sofrido, com exclusividade ao repórter Jean Mendes. A reportagem está publicada também no Notícias de Queimafas e Portal do Casé.
Débora Ferreira de Andrade contou a reportagem que, “quando mudamos para o prédio da [Secretaria da] Infraestrutura, eu ficava em antessala. Todos os dias, quando ele [Lázaro] chegava, queria cada vez mais mostrar intimidade comigo. Um dia, me chamou para a sala dele e pediu para trancar a porta. Ali, ele quis forçar um beijo. Eu me afastei e falei que era estupro. Ele se assustou, saí da sala e continuei trabalhando. Sofri várias situações. Eu sofria calada, por conta do meu esposo. Não sabia o que fazer”, diz.
No processo, que Débora tem contra o hoje diretor da SDE, consta que o dia 7 de fevereiro foi crucial, porque Lázaro teria pedido que a auxiliar instalasse, no computador, o WhatsApp Web – ferramenta que permite que o aplicativo de mensagens seja carregado sem que o celular esteja utilizado -.
“[…] após instalar o aplicativo, a Requerente foi surpreendida com uma mensagem enviada pelo Requerido afirmando que: ‘TENHO VONTADE DE TE DAR UNS AMASSOS’. Após a mensagem, o Réu foi em direção a Autora e apalpou seus seios, saindo em seguida da sala. O fato ocorreu no ambiente de trabalho, tendo a Requerente se apavorado e calado”, narra a peça acusatória, assinada pelo advogado de Débora, Cláudio José Morgado Leite.
AS MENSAGENS ÍNTIMAS
Por conta dos assédios, a mulher relata que começou a apresentar problemas de saúde. Foi em uma unidade hospitalar que, segundo ela, seu marido acabou descobrindo o crime. “Lázaro me mandou uma mensagem. Eu estava no hospital. Meu esposo viu e eu expliquei toda a situação”.
Nervoso, o marido de Débora começou a trocar mensagens com o então secretário de Infraestrutura de Queimadas, para fazer ele confessar. “Saí da Prefeitura agora. Estou na pizzaria. Comer alguma coisa”, escreveu Lázaro José, que pede para a mulher do outro lado explicar dois emoticons. “Foi o celular que deu erro aqui”, escreveu o marido de Débora, se passando por ela. Os “prints” estão disponíveis no processo.
Na mesma troca de mensagens, Lázaro afirma: “Achei que você se assustou com o que eu falei”. Ao receber a negativa, completa: “Então você topa?”. Ao ser instigado a reforçar o que teria afirmado anteriormente, o secretário recua: “não dá para repetir tudo. Sou tímido”. Ao ser novamente provocado a falar, confessa: “Falei que tinha coragem de lhe dar uns amassos. E você precisa dizer se pode”.
A conversa se desenrola, com o então secretário mandando mensagens para a auxiliar. O marido de Débora não sustenta a raiva e acaba mandando um áudio para Lázaro, que se defende: “Engano no ‘zap’. De quem é esse celular?”. Aqui, acaba a conversa.
“Meu esposo começou a responder as mensagens. Lázaro falou que estava me esperando. Quando meu marido chegou, algumas pessoas viram o secretário saindo pelas portas dos fundos da lanchonete. Depois disso, ele começou a falar para meu esposo que tinha se equivocado, que sempre me respeitou. No dia seguinte, fui à delegacia”, relembra a mulher sobre o episódio na pizzaria.
OS “AMASSOS”
Como mostrado na troca de mensagens, Lázaro fala em “amassos” na auxiliar. E foi dentro do prédio da Secretaria de Infraestrutura de Queimadas que os assédios se tornaram ainda piores.
No dia 14 de março, por volta das 16h, o Requerido chamou a Requerente em sua sala e quando esta entrou o mesmo fechou a porta com a chave, se aproximou da Requerente e beijou-lhe a boca a força, tendo esta lhe empurrado e perguntado se o mesmo havia enlouquecido, ouvindo como resposta que: ‘ESTAVA LOUCO POR ELA’. Após se livrar das garras do Requerido, a Requerente deixou a sala correndo”, narra o processo.
“O assédio e as investidas continuaram, levando a Requerente a passar mal, sendo levada para o hospital local, forçando a Requerente a registrar um Boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia de Queimadas”, complementa. “Em uma dessas situações, ele apalpou meus seios. Ele me forçou o beijo. Serrei os lábios e ele tentou morder. No meu braço, ficaram as marcas das mãos dele”, reforça Débora.
A mulher conta que só tomou coragem de levar o caso a público depois de sete anos. “Nós nunca nos calamos. Quando ele assumiu a pasta em Salvador [diretoria da SDE], fiquei indignada. Por qual motivo uma pessoa, que tem processo contra, provas que comprovam que sofri o assédio, e ele consegue [assumir o cargo]?”, questiona.
Hoje, Lázaro é diretor de Supervisão da Gestão e Suporte a Concessões de Centrais de Abastecimento e Mercados. Vereador licenciado de Queimadas, deve concorrer ao cargo ainda em 2024.
PREFEITURA
Após o caso ser registrado na Delegacia Territorial de Queimadas, Débora foi transferida de setor. “Conversei com o prefeito e disse que não queria continuar na secretaria com Lázaro. Ele ficou protelando. Fui à delegacia, prestei queixa e mostrei todo o conteúdo, desde os primeiros dias”, narrou. O chefe do Executivo Municipal em 2017 era André Andrade (PT), que continua como prefeito de Queimadas.
“Eu perguntei ao Lázaro se era verdade [a denúncia]. Ele disse que não. O processo não andou e deixei que cada um assumisse sua responsabilidade. Ele quem deve responder por isso”, argumentou André, procurado pela reportagem. Após deixar o cargo no primeiro escalão da Prefeitura, Lázaro José reassumiu o cargo de vereador e, quando Jerônimo Rodrigues venceu a eleição de 2022, foi nomeado para a SDE, em 2023.
Antes de ser transferida, Débora relembra que ainda chegou a ser ameaçada pelo chefe, Lázaro. “Um dia, ele me chamou e disse: ‘você sabe que é oposição. Você sabe que outras pessoas queriam ficar em seu lugar’. Eu disse a ele: ‘Lázaro, nunca lhe dei abertura para você fazer isso’. Ele me disse que a prefeitura estava pedindo para me colocar no almoxarifado com vários homens. E, lá, eu seria estuprada por vários mecânicos. Eu disse a ele: ‘já que você pode, faça isso’”.
O PROCESSO
Após o Boletim de Ocorrência ser registrado na Delegacia Territorial de Queimadas, o processo foi enviado ao Tribunal de Justiça da Bahia como cível, e não criminal. Na prática, cível propõe uma reconciliação entre as partes. “Já tivemos uma audiência, no ano de 2018. A defesa dele alegou que o juiz leigo foi tendencioso para minha parte”, recorda Débora.
Hoje, o processo está parado na Vara de Queimadas. A reportagem apurou que, até hoje, não foi encaminhada denúncia criminal contra o vereador por parte da Polícia Civil da Bahia.
O QUE DIZ O ACUSADO
Lázaro foi procurado pela equipe de reportagem do Portal do Casé. No primeiro contato, negou todas as acusações e se comprometeu a dar entrevista. Porém, horas mais tarde, declinou e enviou um vídeo, se defendendo.
“Em 2017, ao chegar na secretaria, encontrei uma pessoa que se dizia colaboradora. Ela não foi convidada por mim. Ela pediu ao prefeito a fazer parte da secretaria. Essa pessoa sempre teve comportamento duvidoso. Sempre tentou uma aproximação e não teve sucesso. Como sempre, seu esposo já tinha suspeita de alguma situação, não comigo, a obrigou a mudar de setor. Sua justificativa foi fazendo a acusação contra minha pessoa. Isso nunca aconteceu. Essa pessoa foi transferida”, contou.
O diretor da SDE ainda alegou que o caso tem conotação política. “Por uma tentativa de ganhar dinheiro fácil, entrou com uma ação na Justiça de Queimadas, solicitando mais de 30 mil reais. Exclusivamente, o objetivo é financeiro. Como não houve nenhuma decisão, hoje estão usando essa prerrogativa para me acusar e fazer defesa de um lado político. A pessoa é pré-candidata a vereadora, por outro lado político. Sempre trabalhei em instituições públicas e nunca desrespeitei nenhuma colaboradora”.