Com nome de mulher, a cidade de Conceição do Pará, em Minas Gerais, só tem homens no poder há mais de 40 anos. A cidade nunca teve uma prefeita e a última vez que mulheres ocuparam vagas de vereadora foi em 1980, segundo registros da Câmara Municipal.
O presidente da Câmara, Geraldo Luciano Campos (Avante), acredita que “ainda falta um pouco de coragem para [as mulheres] se engajarem”.
Assim como Conceição do Pará, outras nove cidades brasileiras não elegem mulheres para a administração pública ao menos desde 2000, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O levantamento não leva em conta mulheres que tomaram posse por terem se tornado suplentes ou após a cassação de chapas anteriores.
Para Débora Thomé, pesquisadora da FGV e uma das autoras do livro “Candidatas: Os Primeiros Passos das Mulheres na Política no Brasil”, casos extremos como esses funcionam como uma alegoria de um problema maior: a baixa presença de mulheres na política no Brasil.
Enquanto as mulheres são 52,4% do eleitorado, neste ano, elas representaram 15,4% das prefeitas eleitas e 18,2% das vereadoras.
“Os partidos políticos não dão apoio suficiente, não repassam o dinheiro que deveriam e não investem em candidaturas ou lideranças femininas”, disse a pesquisadora.
A pesquisadora ressalta que a experiência prévia em cargos públicos é um dos principais fatores que impulsionam a eleição. Assim, a baixa eleição de mulheres perpetua um ciclo vicioso de pouca representatividade.
“O maior preditor para alguém se eleger é já ter sido eleito antes. Sendo a maioria dos vereadores eleitos homens, isso aumenta ainda mais essa disparidade de gênero.”
Há 26 anos, a legislação brasileira estabelece que cada partido ou coligação assegure um mínimo de 30% de candidaturas de cada gênero nas eleições para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Em agosto deste ano, foi aprovada a chamada PEC da Anistia, que isenta os partidos políticos de multas por descumprimento dos repasses mínimos para candidaturas negras e cria um perdão amplo para outras irregularidades em prestações de contas eleitorais. Embora não trate diretamente da questão das mulheres, o entendimento de críticos é que isso poderia também permitir a anistia para casos de não cumprimento do repasse para a cota de gênero.
Conheça as cidades sem mulheres eleitas desde 2000:
Boa Vista (PB) – cidade de 28 anos nunca elegeu nenhuma mulher
Desde sua primeira eleição, em 1996, a cidade localizada a cerca de 160 km de João Pessoa nunca elegeu uma candidata.
O presidente da Câmara dos Vereadores, Fernando Aires (Republicanos), afirmou que é “difícil apontar os fatores que não garantiram esse resultado [eleger mulheres].” No entanto, ele destacou que cinco mulheres ocupam cargos em secretarias municipais.
Cabeceiras (GO) – fraudes à cota de gênero em 2020
Desde a emancipação da cidade em 1958, nenhuma mulher chegou ao cargo de prefeita. O prefeito, Everton Francisco de Matos (PDT), afirmou que “falta a participação efetiva [de mulheres] com esse objetivo [de representação política].”
Com pouco mais de sete mil habitantes, Cabeceiras elegeu sua última mulher para o cargo de vereadora em 1996.
Em 2020, o TSE identificou fraudes à cota de gênero na cidade, com candidaturas fictícias para o cargo de vereadora registradas pelo partido Democratas (DEM). Na ocasião, três candidatas foram lançadas apenas para preencher a cota mínima exigida pela legislação.
Conceição do Pará (MG) – para prefeito, ausência feminina é ‘tradição’
Em uma ata de 1980, constam as assinaturas das duas últimas mulheres que atuaram no legislativo da cidade: Maria Auxiliadora Viegas e Maria das Dores Lemos. Desde então, nenhuma outra mulher foi eleita para cargos políticos no município.
O prefeito, José Cassimiro Rodrigues (Cidadania), acredita que a ausência feminina seja por causa da “tradição” da cidade. “Talvez por isso, as mulheres ainda não se propuseram ou encontraram espaço para participarem de alguma eleição municipal, nem para o cargo de prefeita ou vice.”
Neste ano, 26 mulheres se candidataram (34% das candidaturas da cidade). Nenhuma se elegeu.
Guaraciama (MG) – nenhuma mulher eleita na história da cidade
Desde sua primeira eleição, em 1996, Guaraciama, localizada a cerca de 400 km de Belo Horizonte, nunca elegeu uma mulher para os cargos de vereadora, vice ou prefeita.
O prefeito reeleito, Zé Maria Dedim (Solidariedade), disse que “as mulheres que querem ser candidatas precisam trabalhar para serem eleitas não apenas no período da campanha”. O prefeito disse ainda que colocou mulheres em secretarias estratégicas por acreditar no “olhar mais sensível e detalhista” delas.
O presidente da Câmara, Bruno de Betim (Solidariedade), justificou a ausência de mulheres na política local como uma “questão cultural”, e afirmou que a população “está acostumada” a votar em homens.
O pensamento de Betim se reflete nas urnas. Fabiana Freire, candidata ao cargo de vereadora neste ano, concorreu com o nome de Fabiana De Zé Morcego, em referência a seu pai, o ex-vereador José Osvaldo (Zé Morcego). Ele, que faleceu em dezembro de 2023, estava no sétimo mandato consecutivo e nunca havia perdido uma eleição. Fabiana se candidatou pela primeira vez neste ano, mas obteve apenas 64 votos e não foi eleita.
Lagamar (MG) – ‘cultura local’ nunca elegeu mulheres, diz prefeito
No município de seis mil habitantes no Noroeste de Minas Gerais, 21 mulheres concorreram a uma vaga de vereadora nas eleições deste ano, mas, mais uma vez, nenhuma foi eleita.
O prefeito Auro José Pereira (PSDB) afirmou: “Nunca teve prefeita e nem vice-prefeita. Sempre foi candidatura ocupada por homens. Acredito que isso se deve mais à cultura local.” O presidente da Câmara, Daniel Lopes (MDB), afirmou que “sempre teve mulher bem votada, mas não a ponto de se eleger” na cidade.
Oliveira Fortes (MG) – mulher não ocupa cargo público há 32 anos
Há 32 anos, em 1992, foi a última vez que uma mulher ocupou um cargo público em Oliveira Fortes, município de pouco mais de dois mil habitantes de Minas Gerais. A ex-vereadora Agueda de Araújo Campos exerceu seu mandato de 1989 a 1992.
Neste ano, 30% das candidaturas foram de mulheres. Nenhuma se elegeu. Até ao menos 2028, a cidade continuará sem representantes femininas.
Pau D’Arco do Piauí (PI) – mulheres só assumiram após cassação e morte
A única mulher que ocupou uma vaga na Câmara teve só um voto e só alcançou o cargo porque o vereador titular foi cassado e o suplente morreu em um acidente de carro.
O mesmo ocorreu com Joana de Sousa Bacelar, que tornou-se vice-prefeita em 2011, após a cassação da chapa de Fábio Soares Cesário, que foi declarado inelegível por ser parente socioafetivo (filho de criação) de Expedito Sindô, ex-prefeito do município. No Brasil, uma das causas de inelegibilidade abrange cônjuges e parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau, incluindo adoção.
Neste ano, 16 mulheres se candidataram, um total de 32% das candidaturas, mas nenhuma foi eleita.
São Fidelis (RJ) – única vereadora eleita na cidade ocupou cargo em 93
Localizada a 180 km da capital, São Fidelis nunca elegeu uma mulher para os cargos de prefeito ou vice. A primeira – e única – vereadora eleita pelo voto popular na cidade foi Regina Cely Pereira Afonso (PMDB), que exerceu seu mandato de 1993 a 1996.
Nesta eleição, 45 mulheres concorreram, representando 30% das candidaturas.
São Geraldo do Baixio (MG) – nunca elegeu uma mulher em sua história
Desde sua primeira eleição, em 1996, São Geraldo do Baixio nunca elegeu uma mulher na administração pública.
Raimilson da Cruz, presidente da Câmara de Vereadores, afirmou “não saber” a razão: “Realmente aqui nunca teve uma vereadora eleita. Não sei o porquê. Não sei se as próprias mulheres não são adeptas a votar em mulheres. Poderia haver mulheres como vereadoras. No futuro, elas poderiam reconsiderar ter suas próprias representantes na Câmara.”
Vera Cruz (BA) – única mulher a ocupar cargo público foi eleita na década de 80
A única mulher eleita na história da cidade foi Solange Maria dos S. Vinagre, que chegou a ocupar a posição de vice-presidenta da casa legislativa entre 1983 e 1988.
Neste ano, 34% das candidaturas nas eleições em Vera Cruz eram de mulheres. Nenhuma eleita.
Por Judite Cypreste, Michelly Oda, Samuel Bonicontro, Caroline Del Piero*, Grace Vasconcelos, João Souza, Julia Barduco, Anna Lúcia Silva, Andrê Nascimento, g1