A imprensa esportiva sempre escondeu que o grande problema do futebol brasileiro está em sua péssima administração; aliás, o torcedor é incitado pela própria mídia a contestar apenas os erros técnicos, a escassez de bons jogadores, os problemas dentro de campo. Verdade é que a dinâmica do esporte faz com que as partidas e as emoções vindouras transformem o sentimento de que algo está errado num simples incômodo, instantâneo como o desconforto de um gol contra. O torcedor, enquanto se mantem em silêncio, consternado com a dor atual e esperançoso por um futebol mais vibrante da seleção brasileira, apenas compactua, ou melhor, venda-se para não enxergar aquilo que existe de errado. A mídia cede as cartas para este jogo de interesses. É melhor trocar o treinador, escolher novos jogadores, promover projetos para o surgimento de novos atletas, observar o trabalho de outras federações na renovação do esporte. Isso não resolve nada. Absolutamente nada.
A relação de promiscuidade e poder entre a CBF e a grande mídia promove o esfacelamento do futebol brasileiro. Impede que haja uma crítica verdadeira e baseada em critérios claros para a compreensão do público. Quando há uma nota negativa sobre o futebol é sempre tratada com frieza. Em silêncio, e por conveniência, pouco se comenta a interferência de empresas esportivas na gerência do futebol mundial; federações de futebol, a olhos vistos, são comandadas por pessoas que zelam antes por interesses econômicos. Jogadores não são lembrados em convocações por relações contratuais com outra empresa de material esportivo que não a da seleção, por exemplo. O futebol brasileiro se transformou numa máquina de geração de receitas disposta a acumular riquezas em bolsos alheios, quando não consegue mais sequer provocar no torcedor a ilusão de ser ‘o melhor futebol do mundo’.
Quando a imprensa foca o assunto dentro de campo, nos problemas técnicos e táticos, abdica de sua real atribuição que é investigar os problemas externos causadores do mau momento. E cabe questionar se esta atitude é proposital, deliberada ou viciada. Se existe um propósito ou uma deliberação em manter a discussão no espaço das quatro linhas, mantendo na superficialidade um assunto de extrema importância, há muito que se questionar. E se existe um vício – o que é muito provável – cabe ao torcedor procurar fontes informativas comprometidas com a verdade. Elas são raras e estão cada vez mais afastadas das grandes organizações de comunicação do país. São vozes sufocadas pela grandeza dos investimentos e a opulência do fator econômico. O que seria a paixão perto do investimento?
O jogo de interesses tem superado o futebol. Os saudosistas têm cada vez mais saudades duma época que não voltará. Não voltará o comprometimento do jogador, a idoneidade das equipes desportivas, a organização voltada apenas para premiar o melhor em campo. A FIFA é alvo de críticas pouco comentadas no Brasil, exceto por jornalistas que colocam seu pescoço à guilhotina. O torcedor tem se acostumado mais a jogadores estrelas que submetem o futebol à sua imagem, como um modelo, ator, cantor do que aos verdadeiros atletas, pouco interessados em ser algo mais que um esportista. Não há mais sentimento. Fadada sempre a criticar os problemas dentro de campo, as emissoras de rádio e TV, os jornais, os sites especializados, atropelam a noticia quando ela busca acordar o torcedor.
A quem serve a derrota da seleção brasileira senão aos nossos questionamentos sobre a sua real condição de estrutura? Porque tem um centro de treinamento perfeito; seus jogadores estão acostumados a hospedagens em hotéis de inquestionável qualidade; jogam nos melhores clubes europeus; são assediados como qualquer estrela de cinema; por seu trabalho, ganham salários impensáveis por parte de qualquer brasileiro, mesmo um alto executivo. Não há do que reclamar. O problema não está somente na condição do jogador e sim na estrutura corrompida, nas figuras nada idôneas a gerir o futebol, nas interferências externas, na combinação infame entre má administração e corrupção. O problema pode ser percebido pelo insucesso da seleção, mas contamina todo o futebol brasileiro, inclusive os clubes. E cabe a cada torcedor perceber que a situação da amarelinha não se resolve.