Já começo o texto perdido. Tonto pela ignorância cultural do pastor candidato a deputado na Bahia que quer retirar os símbolos aos deuses africanos do Dique do Tororó e os fixar na Limpurb ou no fundo do mar; tanto como pela minha ignorância em não saber mais se ainda é respeitada a regra linguística de que o termo orixá não tem plural. Seria orixá no singular e os orixá no plural. Pelo menos aprendi assim, mas vejo que hoje a regra não se aplica mais. É igual a Pataxó. Tanto faz singular como plural é o mesmo Pataxó. Não “vareia”, como diriam os locutores futebolísticos.
Mas a ignorância é minha e não é da sua conta, e nem sei porque estou dando satisfação, assim como o pastor não quer dar satisfação sobre sua atitude obscurantista. O que o obreiro de Jesus na terra não sabe é que a figura dos orixás, representadas por seus elementos, como espadas, lanças, abadás, entremeios, pano da costa e tantos mais, extrapolou ao universo religioso.
Faz parte de uma cultura. Da nossa cultura. São elementos culturais respeitados também por quem não é de santo, como eu cuja religião é o Jazz. O orixá como é representado, é mais uma marca da baianidade, assim como o Farol da Barra, o Elevador Lacerda, o Esporte Clube Bahia, Jorge Amado ou mesmo a punheta, que todo mundo sabe é bolinho de estudante, mas é que falar punheta enche a boca e é mais característico e é bom saber que se chama punheta porque a massa é amassada (é pleonasmo?) na mão grande, ou no estilo big hand, como diria Michael Jackson que nada tem a ver com esta história, mas é que estou ainda tonto com o radicalismo do pastor xiita e que, graças a Deus, não é do Estado Islâmico, senão mandaria cortar minha cabeça, que por sinal já está ruim. Estou cada vez mais ruim da cabeça.
Se bem que acho que ele quer mesmo é chamar a atenção do seu eleitor, fazendo a divisão entre fiéis e infiéis ou incréus, para aliciar aquela parte da população que tem preconceito e intolerância religiosa. Ele que me diga que nunca comeu um acarajé, uma cocada ou abará num tabuleiro da baiana.
Na verdade o pastor sofre da inveja de semiótica e da sintaxe de linguagem visual. O que o pastor não sabe é que a Igreja Católica, que já foi apostólica e romana tem um monte de símbolos que ajudam à sua identificação “mercadológica” e conceitual, a exemplo de verdadeiras logomarcas (publicitário diz que logo e marca são a mesma coisa, mas eles que se lixem) como a cruz (até mesmo a de Caravaca), os campanários, as asas dos anjos e até os escudos romanos ou mesmo o peixe (um dos primeiros símbolos cristãos baseado nas primeiras letras gregas de Jesus Cristo de Deus Filho Salvador, Ieosus Christos Theou Yios Soter, que forma Icthus, o vocábulo grego para peixe) e o arco-íris, que na tradição judaico-cristã representa o pacto entre Deus e a humanidade.
A religião afro-brasileira tem sua representação estética nos elementos que já citei acima e muitos outros, como o atabaque, o espelho de Oxum ou o tridente de Oxossi, só para citar alguns. O problema da religião do pastor é que os símbolos inexistem. Não existe um deles que seja uno. Como a cruz. Tanto que cada vertente das igrejas surgidas no país usam os seus próprios, como a Quadrangular que usa uma cruz torta e outras que se representam com a imagem de uma pomba estilizada, uma taça – que deve ser o Santo Graal ou coroa de três pontas.
Os evangélicos não gostam da personificação de Cristo e não têm santos que os representem. Em compensação eles não se queixam ao bispo: falam direto com quem manda. Ligação direta com Jesus. Daí que apenas sua representação visual é a Bíblia. Mas esta também pertence aos católicos e apostólicos e não fica bonita numa corrente de ouro, num brinco ou pintada numa camiseta. Nem mesmo na capa de disco de Madonna. Falta estética. Pergunto à ele: porque ao invés de retirar os símbolos afro-brasileiros das áreas de Salvador não manda espalhar obras (estátuas, tótens) com a Bíblia representada. Mandava até colocar lá mesmo, no Dique do Tororó.
O que o pastor sofre é de uma terrível crise de identidade. E da insegurança do voto.