O título dessas mal traçadas linhas remete-nos a uma série de reportagens de David Nasser intituladas “FALTA ALGUÉM EM NUREMBERG”, publicadas em O Cruzeiro. Relatavam os crimes políticos do Estado Novo, responsabilizando um dos mais destacados brutamontes de nossa história: o Capitão Filinto Müller. Trago essas memórias a tona por ocasião do Relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Lamentando o nosso atraso em relação aos nossos vizinhos Portenhos e Uruguaios em justiçar os seus perseguidos políticos, reconheço que foi um grande avanço o País oficialmente reconstruir essa sua triste história. Agora cabe-nos cobrar a punição dos agentes do Estado que praticaram a tortura, como aliás a tanto já nos condenou a Corte Inter-Americana de Justiça.
Em anterior artigo externei minha recusa em denominar o movimento de 64 como ditadura militar. O Gal Mourão Filho, por exemplo, não iniciaria sua marcha sem contar com o respaldo do governador Magalhães Pinto. E os demais Militares que depuseram Jango não fariam a ruptura institucional se antes parte do Clero e da classe média não fizesse a Marcha da Família Com Deus pela Liberdade. Enfim, aquele movimento não foi coisa isolada dos Quartéis. E o que se seguiu menos ainda o foi.
Em ambiente democrático, é absolutamente tolerável que as pessoas optem por ideologias de esquerda, centro ou de direita. Portanto, não faço patrulhamento ideológico contra quem quer que seja. Mas apoiar um Governo com um perfil de direita ou de esquerda não é a mesma coisa que apoiar tiranias de esquerda ou de direita. E o que se instalou no Brasil a partir de 02 de abril de 1964 foi um Regime Tirano, conduzido por setores militares, mas amplamente respaldado e subvencionado por segmentos civis da Nação.
Aqueles empresários que atenderam ao chamamento do Gal Carlos de Meira Matos e deram o suporte para a Operação Bandeirantes, sabiam exatamente que não estavam entregando o seu rico dinheirinho para o custeio de novos IPES. De igual sorte, os veículos da grande imprensa que faziam inflamados editoriais condenando as ações armadas de certos grupos da Esquerda, sabiam que nos porões dos DOPS e de outros órgãos praticavam-se violências sobre as quais se calavam. E tanto uns quanto os outros não embarcaram nesta por coação, mas sim pelos benefícios que o regime lhes propiciou.
De há muito o Erário tem suportado o peso de justas reparações civis aos perseguidos ou aos seus familiares. Traduzindo em miúdos, a Viúva está pagando mais uma conta deixada por agentes malfeitores.
Porém a necessária punição criminal daqueles que, sob o manto do Regime de Exceção, torturaram os seus opositores não satisfaz todos os lados da questão. Focar naqueles agentes a nossa indignação cívica pode nos trazer a errática dicotomia sociedade versus Forças Armadas. De fato, o maior contingente de torturadores compunha-se de Militares, mas eles não representaram o sentimento de toda a Tropa. Não nos esqueçamos, por exemplo, do Capitão da Aeronáutica SÉRGIO RIBEIRO MIRANDA DE CARVALHO (nome grafado em caixa alta porque sua estatura assim o reclama), e o tenebroso caso Para-Sar.
Os torturadores agrediram a civilização e mancharam as nossas Forças Armadas. Mas não estavam sozinhos, sendo apenas a “longa manus” da tirania. Aqueles que puseram em prática os ensinamentos do Tenente Ailton, não o fizeram por puro sadismo, mas em execução de uma política do Estado que, sob a retórica anticomunista, antiterrorismo, voltava-se a proteger interesses que se sentiam ameaçados pelas reformas defendidas pelas forças progressistas.
Não seremos justos se levarmos a Nuremberg apenas os torturadores, preservando em suas zonas de conforto aqueles que bancaram a barbárie e com ela tiveram os seus privilégios preservados. Sem a responsabilização civil de quem bancou a repressão, poderemos assistir aos agentes das torturas defenderem-se da sociedade que agora deseja incriminá-los cantando David Nasser em tom de delação premiada: “errei sim, manchei o teu nome, mas foste tu mesma culpada”.
MARIO LIMA
ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO DA BAHIA