Já está em liberdade na cidade de Riachão do Jacuípe o agricultor Raimundo Antônio Carneiro, conhecido por Raimundo do Leite, 58 anos, morador da fazenda Roncador. Ele estava preso desde sexta-feira (11/03) por está em posse de um galão de leite de vaca. Segundo o mesmo informou a nossa reportagem, há alguns anos atrás ele vendia leite de porta em porta, mas como nos últimos tempos, houve determinação do Ministério Publico, proibindo este tipo de comércio, tendo que parar. Segundo ele, no momento da prisão, levava leite para uma pessoa doente e acha que deve ter sido confundido com vendedor.
Nesta quarta-feira (16) a cidade viveu um dia atípico, quando aproximadamente quinhentas pessoas começaram a se aglomerar próximo a Câmara de Vereadores, sendo mobilizadas por um carro de som que convidava para um ato público em frente ao Fórum de Justiça, para reivindicarem a soltura do agricultor Raimundo Carneiro. Foi formada uma comissão e reuniu com a promotora, que disse que iria avaliar a situação, mas dentro do prazo legal que é de cinco dias, e que Raimundo estando preso desde sexta-feira, estava dentro do prazo para se pronunciar e encaminhar para o judiciário.
O clima ficou mais tenso quando a comissão informou da conversa com a promotora, que foi retransmitida às pessoas concentradas em frente à sede do judiciário através de um gravador e veiculado em um carro de som, houve uma reação e um dos presentes propôs fechar a rodovia federal BR 324 até que “Seu Raimundo” fosse solto. Da frente do Fórum para a BR 324 invadiram a pista e colocaram fogo em pneus e troncos de árvores na cabeceira da pista do Rio Jacuípe e outro grupo fez o mesmo ato na saída Riachão/ Tanquinho.
A interdição da pista durou menos de uma hora, pois a polícia militar compareceu e levou a mensagem de que o agricultor seria liberado, daí, parte dos manifestantes retornou ao Fórum e ouviu do juiz José Ferreira da Silva que as pessoas deixassem a manifestação que estava sendo feita na pista e que o agricultor seria solto. Palavras de ordem, tipo “ solte Raimundo, ele não é vagabundo”, “queremos leite” e foram mais além quando pediram a saída da promotora, que é natural de Riachão do jacuípe; “Fora promotora”. A população ao tomar conhecimento de que o oficial estaria saindo em direção a Delegacia em posse do alvará de soltura, o acompanhou para sentir a emoção de ver aquela pessoa “injustiçada” sair da prisão. Muita correria até o Bairro Ranchinho, onde fica a Delegacia de Polícia, que estava trancada com cadeado, diante das informações do que estava acorrendo na parte baixa da cidade que os manifestantes estavam com a intenção, caso não fosse resolvido de tirar o idoso a força. Mas felizmente teve final feliz, ás 12h50 o delegado Carlos Baqueiro recebeu o oficial e libertou Raimundo que foi colocado nos ombros e depois em uma camionete circulou pelo centro da cidade.
Uma verdadeira iniciativa popular – “Não é justo manter um homem preso porque estava trabalhando. Ele é sério, direito, trabalha desde que nasceu na roça. Seu dinheiro é suado e para acabar de completar ainda tem uma mulher depressiva”, contou indignado o vizinho de fazenda, José Antonio Carneiro, 57 anos, que ficou sabendo da manifestação pelo rádio e foi ajudar os companheiros, pois, segundo ele, a causa é justa. Foi de carroça e ainda trouxe pneus que foram usados na “barricada” próxima da rodoviária.
O sentimento é um só – Solidariedade e revolta. “Porque os traficantes estão soltos? Os políticos que roubam estão soltos? Tanto assassinos inclusive, aqueles casos de gente que aparece morto e ninguém descobre quem foram os autores?”, Questionava o mecânico Paulo Estevam, que trabalha próximo ao ponto, onde ouve a maior concentração popular.
Com o crescimento a cada instante do movimento, surgindo inclusive à conversa que os manifestantes pretendiam fechar o acesso a cidade de Conceição do Coité, uma comissão formada pelos vereadores José Carlos de Matos Soares (DEM), “Carlinhos”, José Nilvaldo Cordeiro Carneiro (PRB), “Ninho Moto-boy”, Valdinei Pereira de Jesus (PHS), “Boka”, José de Souza Pereira (PMDB), “Zelinho”, Orlando Andrade de Menezes (PMDB), e pelo presidente da Câmara José Antonio Ferreira Brito Júnior (PSDB), “Juninho” conseguiram convencer os manifestantes a deixarem a pista e voltarem para a Praça do Fórum, justificando que muitas pessoas estavam sendo prejudicadas com o fechamento da BR e quem poderia solucionar o problema estava “lá” (referindo-se ao fórum).
Raimundo agradeceu o empenho do povo – Depois de receber abraços e até colocado nos ombros de populares sob aplausos e gritos de “justiça”. O homem pacato, magro, sofrido pela intempera, pois trabalhou desde criança na labuta da roça, ele resumiu em dizer ao CN que não sabia o que tinha acontecido, pois durante quinze anos vendeu leite na cidade. “Foi uma luta, pois tinha que chegar a casa de tardinha para apartar as vacas. Acordava antes de o sol nascer, isto em tempo de seca ou de chuva. Tinha que levantar de madrugada, tirar o leite e levar para cidade. Gente quem bebeu leite que vendia e hoje é doutor”, Lembrou. Filiado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais deste 27 de janeiro de 1979, ele contou que começou num lombo de jegue, depois comprou uma moto e agora, quando foi preso, estava de bicicleta.
“Eu vou viver de que? Minha esposa tem problemas mentais, este leite eu não ia vender era pra meu consumo, e dou um pouco também a “neguinha” no Alto que tem uma doença grave eu ajudo sabe, eu desde menino respeito às leis, nunca pisei numa cadeia, nunca fui preso, pra hoje me ver assim estou com muita vergonha.” Disse o agricultor ao descer na caminhonete em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade.
Coração bom – “Seu Raimundo”, quando foi preso na sexta-feira, garantiu ao CN que não estava vendendo leite. Segundo ele, possui duas vacas que comprou com muita dificuldade, e retira o leite para seu próprio consumo, e doa parte dele a uma senhora que tem leucemia residente no Bairro Alto do Cruzeiro. “Parece que foi confundido como vendedor, pois estava com o galão na garupa da bicicleta. Eu falei que não estava vendendo e não teve. Fui preso e ainda derramaram derramado o leite na rua”, lamentou com seu olhar de simplicidade.
Ao deixar o complexo policial, um dos seus familiares perguntou pelo “colchão” que levaram para ele dormir os dias que ficou preso e ele disse que doou uma presidiária que não tinha onde deitar, pois nenhum dois parentes tinham ido lhe visitar. “Coitada, não tem ninguém por ela”, lamentou “Seu Raimundo”.
O presidente do Sindicato dos Trabalahdores Rurais, Renivaldo Miranda disse que o comercio da agricultura familiar ficou muito mais dificil depois das novas leis e os agricultores não teve tempo de se adequar as normas. ” Aqui tá dificil, tudo bem que a lei é pra ser cumprida, mas como pode esse povo sobreviver, quanto ganha um produtor no abate de um carneiro que hoje tem que ser levado para o matadouro de Pintadas a mais de 70 km e depois voltar pra ser comercializado em Riachão? Reninho lembrou tambem de outros produtos tradicionais que geralmente são encontrados em feiras livre a exemplo de galinhas e até mesmo o ovo não pode mais ser vendido”, lamentou o presidente.
Por: Valdemí de Assis e Alana Adrielle / fotos: Raimundo Mascarenhas e Alana.