Não há nada mais difícil do que treinar hábitos inovadores, numa sociedade ainda bastante arcaica. As pessoas estão estáticas, na frente da televisão, assistindo a um tipo de entretenimento que elas mesmas poderiam fazer em sua cidade, mas não o fazem. Só as escolas se arriscam a isso e, por conta do trabalho que dá, fazem espetáculos no máximo uma vez por ano, durante eventos como gincanas e projetos pedagógicos.
Acompanhando o Furdunço Cultural da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, em Riachão do Jacuípe, por exemplo, dá para notar que as cidades da região dispõem de talentos suficientes para ter uma programação cultural rica e mais frequente, e nem só de espetáculos vive a cultura. No semiárido falta a consolidação de espaços de discussão filosófica, porque falta a formação de um público para este tipo de atividade cultural.
Quando se entra num espaço público com um punhado de pessoas que já descobriram esta possibilidade, na região, os que estão de fora olham intrigados, como se estivesse acontecendo ali alguma reunião secreta. É assim que nascem as lendas, as mentiras, as tolices que povoam o imaginário de cidades subdesenvolvidas.
Os jacuipenses, assim como a maioria dos moradores do semiárido, parecem resistir ao hábito de pensar. Querem o pensamento pronto da religião e quem procura mostrar que nem é preciso abrir mão da religião para começar a exercitar o pensamento é mal interpretado, como é o meu caso e de outros.
Há uma espécie de lenda tola de que pessoas que escrevem e falam como eu e outros somos inteligentes, como se a inteligência nesta região fosse um privilégio de meia dúzia de pessoas, como se eu e outros tivéssemos algum distintivo misterioso.
Somos todos gente comum, não há heróis, não há segredo. O que há aqui é um hábito antigo de reduzir as possibilidades das pessoas e das cidades, quando se trata de ler a vida, de ler o mundo. Somos uma sociedade que até sabe ler, mas pedimos para os outros lerem por nós e confia-se cegamente em interesseiras interpretações da realidade local, regional e global.
Eu não estou competindo com ninguém, não tenho nenhum interesse em ser algo além de ser humano, mas me interesso em explorar mais as potencialidades humanas e penso que é o que todos poderiam fazer, e aí sim, se surpreenderiam com o que o ser humano pode, por si mesmo. Nem Jesus escondeu isso, a ponto de chegar a dizer que as pessoas não só poderiam fazer as coisas que ele fez, mas fazer até maiores ainda. Agora, tudo dentro da naturalidade, sem fanatismos, sem alardes, sem misticismos tolos que aprisionam as mentes e limitam as potencialidades, como se essas multidões fossem crianças necessitadas da tutela permanente da religião e do poder político.
Às vezes, os papéis sociais colocam algumas pessoas em maior evidência, mas isso, longe de ser um mérito, chega a ser difícil, porque cria especulações, ideias falsas de qualidades e defeitos que muitas vezes não se tem.
Seria muito interessante que a sociedade jacuipense e de todo o semiárido criasse e consolidasse um público pensante sobre temas diversos, redes sociais presenciais, onde as perguntas não ficassem nos olhos das pessoas, mas se verbalizassem até que as dúvidas dessa sociedade diminuíssem e ela pudesse andar de fato rumo ao desenvolvimento, sem heróis, sem disputas de egos, com bastante naturalidade e transparência.
Mas o nível de desenvolvimento da sociedade regional ainda parece tão aquém que muitas pessoas até agora se guiam pelo medo, pelas suposições mal esclarecidas, pelas hipóteses advindas de superstições e da influência de uma mídia televisiva que deseduca, complica e reproduz aqui embaixo o pânico dos grandes centros urbanos, em que pese a existência de uns poucos programas bons.
Precisamos construir as nossas alternativas de informação e entretenimento ao vivo, a fim de não vivermos a vida dos outros, sem nenhum proveito, somente repetindo ideias de terceiros as quais não chegamos nem a analisar.
José Avelange