Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, é notável articulador dos bastidores; por agregar oposição e descontentes da base do governo, constrói meticulosamente seu poder e pauta, cada vez mais, a agenda política do país – servindo os brasileiros com um cardápio de retrocessos. Mas de onde vem o poder de Cunha? Como uma figura desconhecida do grande eleitorado – envolvida em tantos escândalos e com mentalidade político-ideológica do século passado – consegue chegar à Presidência de uma Casa Legislativa, terceiro na linha de sucessão presidencial, e ter seu nome cogitado em especulações para candidato a presidir uma nação?
Cunha conta com o apoio dos seus pares porque deles têm a admiração e idolatria.
Figura que sempre esteve envolvida em escândalos graves, mas sem nenhuma ameaça real da Justiça o punir (saiu ileso de investigações, ainda que a imagem de seus superiores, na época, tenha sido maculada, a exemplo de Collor e Garotinho), Cunha é o ídolo do baixo clero, é a celebridade que seus comparsas gostariam de ser, é a diva que eles querem copiar (diria Valesca). Esperto, percebeu rapidamente o óbvio: a Câmara é composta por caudilhos, velhos coronéis locais sedentos por qualquer benefício, dinheiro, jantares, comida boa e de graça, viagem com as esposas para o exterior, vantagens para suas empresas/agronegócio… Ou seja, sedentos por pequenas e mesquinhas migalhas de poder. E isso Cunha pode dar para eles: por ter a caneta da Casa na mão e por se colocar como interlocutor entre cada parlamentar-mendigo – cuja personalidade é uma mistura perigosa de despreparo, vaidade e ganância – e os maiores empresários do país.
A tropa de Cunha é formada, majoritariamente, por coronéis que mandam em regiões dos seus estados, mas que nunca tiveram apito em Brasília (justamente por não gozar de poder para influenciar a agenda política nacional). No máximo, esses indivíduos conseguiam – depois de muito bajular algum ministro do seu partido, nomeado pelo governo federal – indicar um superintendente de autarquia ou órgão público federal em seu estado de origem. Ou, em tempos de Mensalão, conseguiam receber dinheiro de intermediários com o governo para fazer número na garantia da tal governabilidade.
Hoje, os componentes do Exército de Cunha podem muito mais. Conseguem não só inserir suas demandas reacionárias, fundamentalistas e segregadoras nas discussões da Casa, mas também sentar lado a lado na mesa com donos de TV e os maiores banqueiros e empresários do país, porque Cunha lá os coloca. Acostumados a serem tratados – ou aturados – como reis em seus estados, a eles era negado o brilho (que eles acham que merecem) e eram relegados aos porões do Congresso Nacional.
Cunha mudou isso. Cunha os “valorizou”, os “ouviu”, faz o ego deles inflar, faz eles se sentirem mais poderosos, honrou o que eles são em seus estados, conferiu mérito ao que eles acham que são. Não seria difícil ver deputados de todo o país se rendendo a um líder como Cunha, né?!
Além disso, Cunha encarou o governo com arrogância e destemor – característica que a maioria deles possui em seus estados, mas que não manifestavam em Brasília por falta de “sangue no olho” (coragem) e espaço. Cunha grita com quem ousa desagradá-lo; manda demitir funcionário da Câmara dos Deputados; impede a entrada de cidadãos, que contrariam suas posições ideológicas e políticas, nas galerias (que maravilha para poder distanciar o cidadão que incomoda, esse é o desejo mais íntimo dos deputados que tratam seus eleitores como números e que não acreditam ter satisfações a dar ao povo); manipula o Regimento a seu favor e faz dele sua arma para conseguir aprovar as matérias que defende; rasga a Constituição Federal; faz chacota do Judiciário; brada em entrevistas com repórteres; ameça (com palavras e gestos) o já fragilizado e impopular governo petista.
Cunha inicia e encerra as sessões quando deseja, corta o microfone dos deputados não aliados e os submete aos seus caprichos e humores. Ele vinga os raivosos que, em troca de cargos e contratos com a administração federal, ficaram calados durante anos de governo petista, mas que nunca engoliram Lula e sua trupe. Cunha desdenha do bom senso e realiza cultos religiosos dentro da Câmara dos Deputados; vinga os cristãos fundamentalistas (especialmente os evangélicos) que não toleram a possibilidade da implementação de políticas públicas voltadas para as minorias e maiorias submissas. Cunha é a revolta do patriarcado que vê crescer a presença da mulher na política e no mercado de trabalho. Cunha destila, pelos olhos, o ódio aos que o desagradam; ele materializa as vontades dos que acreditam que política é capital hereditário, partido político é patrimônio familiar e cargo eletivo é para alugar às empresas interessadas, através do patrocínio de mandatos.
Cunha não aceita uma derrota política porque acredita na sua superioridade diante dos demais e na obrigação de todos servirem aos seus caprichos. Assim, Cunha personifica, na Câmara, aquilo que os seus asseclas são nos seus Estados, e queriam ser no âmbito nacional. Cunha é o declínio da democracia brasileira, já bamba em ricões cujos eleitores votaram em seus comparsas.
Cunha é o alter ego dos que ele lidera.
A tendência é que piore muito nos próximos meses. O peemedebista vai articular para ter um candidato próprio à Presidência da República, ocupando o vácuo de poder que Temer sempre deixou dentro do próprio partido por se preocupar em resolver sua vida e deixar os interesses dos companheiros da agremiação de lado – coisa que os caciques do partido viviam reclamando. Mas o candidato não será ele. Sabedor de que não tem chances numa disputa eleitoral para chefe máximo do país, sua meta de longo prazo é o parlamentarismo, no qual será o primeiro-ministro.
Levaremos tempo para ver Cunha perder o poder que está construindo e a ele terão que se render os próximos presidentes da República.
Eduardo Cunha é o Sarney do século XXI. E, com a aceitação conveniente dos que o seguem, fez da Câmara o seu curral eleitoral.
Daniele Barreto é advogada e consultora política, escreve no blog www.danielebarreto.com.br