As medidas cautelares aplicadas pelo Poder Judiciário baiano para evitar a prisão preventiva agora poderão ser monitoradas por tornozeleiras eletrônicas. A informação é do jornal A Tarde. Segundo a publicação, a previsão é que os equipamentos estejam disponíveis para uso no dia 1º de outubro.
Entre outras, a limitação de saída de casa nos finais de semana, recolhimento domiciliar noturno, proibição de se aproximar de uma possível vítima e prisão domiciliar são algumas determinações que podem ser impostas pelos magistrados.
A estimativa é do juiz Antônio Faiçal, coordenador do Núcleo de Prisão em Flagrante, onde, durante as audiências de custódias, os presos são ouvidos e têm o destino deles traçado. Os equipamentos, que até então não existiam no sistema prisional do estado, já começaram a chegar na capital baiana desde a semana passada.
Todos serão encaminhados ao Núcleo de Prisão em Flagrante e Audiências de Custódia do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), localizado na avenida Antônio Carlos Magalhães (ACM).
Cinquenta unidades já foram recebidas pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) e outras 250 estão programadas para chegar na próxima quarta-feira, 20, à sede do órgão, no Centro Administrativo da Bahia (CAB).
Válido inicialmente por 12 meses, o convênio assinado pelo governo estadual com a empresa Spacecom Monitoramento S.A. tem o valor de R$ 903 mil, sendo 90% pagos pelo Ministério da Justiça, por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), e os outros 10% custeados pela Seap.
Isso significa que cada equipamento custará mensalmente R$ 250,83 às administrações federal e estadual. O valor, entretanto, só é pago caso a tornozeleira esteja sendo usada, num esquema de consignação.
Conforme a Seap, o convênio será ampliado por igual período, caso seja bem-sucedido, chegando a um valor total de R$ 1,934 milhão. Destes, R$ 1,744 milhão ficarão a cargo do Depen e os outros R$ 194 mil (10%) como contrapartida do governo baiano.
Alternativa
Em média, estima Faiçal, a prisão preventiva é determinada em 50% dos aproximadamente 300 casos que o núcleo, inaugurado em 2013 e reformulado em 2015 para ter um procedimento padrão, recebe mensalmente.
Na outra metade dos casos, acontece a liberação dos acusados mediante aplicação de medidas cautelares. “A monitoração vem acompanhada de outras medidas cautelares, como está previsto em lei, até para que o juiz verifique se essas outras cautelares estão sendo cumpridas”, explica o juiz, destacando essa ferramenta de fiscalização como “alternativa à prisão provisória”.
Atualmente, conta o magistrado, a estimativa é de que 60% dos presos do sistema penitenciário baiano estão nessa condição – ou seja, sem condenação judicial definitiva – e os outros 40% já foram julgados.
“O ideal seria inverter essas porcentagens. E o monitoramento é uma das medidas cautelares previstas para que o acusado não tenha que aguarda o julgamento preso”, explica.
Ele destaca, porém, que o uso, apesar de não ser restringido pela lei, deverá ser consciente e não indiscriminado. “A ideia não é sair colocando tornozeleira em todo mundo”, afirma Faiçal.
Violência e tráfico
Para ele, casos de agressão e ameaça contra mulheres, enquadrados na Lei Maria da Penha, e de tráfico de drogas de médio porte – que após a condenação resulta em prisão semiaberta – deverão liderar o uso do recurso tecnológico.
“Não qualquer caso. Dependerá das circunstâncias e da avaliação do juiz, porque senão não precisaria ter julgador, substituiríamos por uma fórmula matemática”, afirma o juiz Antônio Faiçal. De acordo com a Seap, com a destinação das tornozeleiras para o Núcleo de Prisão em Flagrante, o uso desse lote dos equipamentos será restrito a Salvador.
Exclusão
Faiçal explica que casos em que o acusado já está preso – ou seja, flagrantes anteriores ao dia da chegada dos equipamentos à sede do órgão – também não serão contemplados pelo lote.
Isso exclui o uso, por exemplo, no promotor de Justiça Almiro Sena, que cumpre prisão domiciliar após ser acusado de abusar servidoras públicas quando exercia o cargo de Secretário de Justiça e Direitos Humanos no governo estadual.
Já casos como o do ex-ministro peemedebista Geddel Vieira Lima, que teve a prisão domiciliar e o uso de tornozeleiras decretados pela Justiça Federal em julho deste ano, serão avaliados pelo núcleo quando acontecerem, para que as tornozeleiras sejam cedidas à União, que não dispõe do recurso e repassa a responsabilidade aos estados.
O juiz explica que alguns equipamentos serão reservados para eventualidades como essa. “Mas não vamos olhar para trás [para casos antigos], porque a quantidade de equipamentos não daria conta”, afirma.
Para operar os novos aparelhos, 50 servidores foram treinados entre 28 de agosto e 1º de setembro por um analista técnico da empresa contratada.
As aulas aconteceram no Centro de Operações e Inteligência 2 de julho, na sede da Secretaria de Segurança Pública (SSP), no CAB, e no Centro Integrado de Comendo e Controle (CICC), que fica no Parque Tecnológico da Bahia, na avenida Paralela.
Lá, os agentes foram capacitados a operarem o Sistema de Monitoração Eletrônica de Pessoas, que ficará na sede da SSP.
O espaço, com telas e outros equipamentos, vai ser inaugurado junto com o início da operação das tornozeleiras e acompanhará 24 horas por dia o cumprimento das medidas cautelares impostas pelos juízes.
LICITAÇÃO BENEFICIARÁ PRESOS CONDENADOS
Um outro processo licitatório da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) vai contratualizar o fornecimento de mais 3.200 tornozeleiras eletrônicas para o sistema penitenciário baiano, de acordo com informações da própria pasta.
Aguardando parecer interno da Procuradoria Geral do Estado (PGE), a concorrência pública ampliará o uso desses equipamentos para toda a Bahia.
Também serão contemplados, de acordo com o juiz Antônio Faiçal, presos condenados que cumprem prisão domiciliar, regime aberto e semiaberto, além de saídas temporárias (conhecidas como indulto) em datas como Dia dos Pais, Dia das Mães e Natal.
Ainda não há detalhes sobre o contrato, segundo a Seap, porque o convênio, assim como o que já foi assinado, será por consignação. Ou seja, as tornozeleiras disponibilizadas são pagas com um valor unitário, mensalmente, somente quando forem usadas.
Impacto
Presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), o jurista Marcos Melo defende o uso das tornozeleiras como caminho para “desafogar o sistema penitenciário”.
Para ele, essa opção esbarra, entretanto, na opinião pública conservadora. “Esse tipo de medida é criticado porque a sociedade quer prisão perpétua, pena de morte, porque no Brasil justiça significa cadeia e punição”, afirma o advogado.
Melo defende o uso de mais medidas cautelares pela Justiça, inclusive em casos de condenação, como prevê a licitação da Seap. “Tem muita gente que podia estar livre, mesmo condenado, mas cumprindo medida”, opina. “O estado tem que ter o instrumento, porque se o preso tiver liberação provisória ou domiciliar, é prejudicado pela ausência”.
O juiz Antônio Faiçal disse ser “um exagero” achar que o uso de tornozeleiras pode “desafogar” as prisões. Para ele, que também defende o recurso como alternativa para prisões, defende, porém, o uso cauteloso do equipamento.
Fonte: A Tarde