Em meados de 2015, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o FBI e a Receita Federal americana realizaram em conjunto uma investigação de três anos que levou à prisão de sete dirigentes da FIFA na Suíça – incluindo o brasileiro José Maria Marin, ex-presidente da CBF. Aquele era o início de um processo de investigação que abrangeria todos os setores do futebol, desde as confederações – e os seus dirigentes – até as empresas de comunicação que mantinham contratos de direitos de transmissão de eventos esportivos como a Copa do Mundo.
Na última terça-feira (14), o empresário Alejandro Buzarco, ex-homem forte da companhia de marketing argentina Torneos y Competencias, disse que a TV Globo e outros grupos de mídia pagaram propina em contratos de transmissão de campeonatos de futebol. A revelação de Burzaco lança luzes sobre a trevosa relação entre a CBF e a TV Globo, atualmente detentora de direitos exclusivos de transmissão de quase todos os campeonatos de futebol organizados pela máxima entidade do esporte no país.
Ao delatar a Globo e outras empresas de comunicação que, segundo ele, pagaram propina para transmitir campeonatos como a Libertadores da América, Copa Sul-Americana e, inclusive a Copa do Mundo, o argentino Burzaco altera as atenções da investigação americana sobre os poderosos monopólios midiáticos. Estes fatos são minimamente capazes de instigar questionamentos sobre a relação da TV Globo com o futebol, com os cartolas da CBF e com as cúpulas da FIFA e da CONMEBOL.
Burzaco disse ter se reunido com José Maria Marin, com um representante de Ricardo Teixeira e com Marcelo Campos Pinto, responsável pela aquisição dos eventos esportivos da Rede Globo nas últimas décadas; Marcelo tinha procuração para negociar os contratos no Brasil e no exterior em nome da família Marinho, dona da emissora e foi demitido em 2015 dias depois da extradição de Marin para os EUA.
Ricardo Teixeira, que presidiu a CBF de 1989 até 2012, também é um dos personagens principais desta história de promiscuidade e favores especiais à TV Globo. Diz-se que Teixeira estaria negociando um acordo de delação premiada com a o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, informação que, se for confirmada, exaltará ainda mais os ânimos na emissora dos Marinho. Do ponto de vista da comunicação, a organização tem a sua imagem arranhada com a repercussão da notícia, ainda que esta não tenha espaço amplo na mídia nacional, tradicionalmente corporativista.
A TV Globo encampou o mote da “luta contra a corrupção”, convocando massas para compor as manifestações contrárias ao governo de Dilma Rousseff em 2015 e 2016. Mas não apenas isso: foi fiadora principal da Operação Lava Jato na grande mídia; boa parte dos seus artistas vestiu camisas amarelas (da CBF do Del Nero, Marin e Teixeira) e foi às ruas apontar o dedo para o governo. Como se a política fosse o único vetor de corrupção na sociedade.
Se as investigações da Justiça americana comprovarem que a Globo, ao lado de outros grupos monopolistas de mídia, orquestrou um mercado de propinas na cúpula do futebol para deter com exclusividade os direitos de transmissão ficará também comprovado que a mídia é esta mistura de hipocrisia, poder e monopólio. Que enquanto o futebol brasileiro ‘cai pelas tabelas’ e os clubes, endividados, se arrastam para sobreviver, a TV Globo ganha rios de dinheiro com a divisão de transmissão com canais a cabo do próprio grupo.
O país do futebol é também o país dos favores especiais. Dos monopólios midiáticos que se estabelecem historicamente no lugar simbólico da “paixão nacional”. Parece muito estranho quando quem fala o tempo inteiro dos atos de corrupção alheia seja alvo de delações premiadas e esteja na mira da Justiça americana. A investigação terá muito a mostrar, mas uma coisa é certa: o tempo dos veículos de mídia titânicos e intocáveis parece estar próximo do fim.
Mailson Ramos é relações públicas e editor do site Nossa Política.