O aumento severo no preço dos combustíveis dificulta a vida de motoristas de aplicativo e motoboys de São Paulo, que já sofriam para tirar lucro de suas atividades durante a pandemia do coronavírus.
O monitoramento mensal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostra que o valor médio nacional do litro do etanol passou de R$ 3,54 para R$ 4,36, um aumento de 23,1% em apenas quatro meses.
Considerando a variação desde maio de 2020, quando houve o menor patamar de custo no auge da crise, o combustível chegou a custar R$ 2,74. O aumento é da ordem de 59% se comparado ao preço de junho de 2021.
A gasolina segue curso parecido, ainda que menos agressivo: de fevereiro a junho, o combustível sobe de R$ 5,12 para R$ 5,69, o equivalente a 9,6%. Mas, confrontado com o preço de maio de 2020, quando chegou a custar R$ 4,11, o aumento vai a 38% contra o valor mais recente.
Todos os comparativos levam em conta o reajuste pela inflação do período, com preços corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. Os percentuais, portanto, são de aumento real e balizados pelos preços do mês passado.
O reajuste chega a números tão surpreendentes porque, em maio de 2020, com a circulação em níveis muito baixos em todo o país, houve uma redução drástica dos preços dos combustíveis. Havia, afinal, pouquíssima demanda.
Ao longo de 2020, e conforme o isolamento foi se reduzindo, o custo da gasolina e do etanol passou a se normalizar. De fevereiro em diante, contudo, o valor dos insumos rompeu o nível anterior à pandemia em virtude da alta dos preços do petróleo, cotados em um dólar bem valorizado.
Queda no faturamento
Desde o início da pandemia, as duas profissões haviam enfrentado fenômenos que reduziram o faturamento do trabalho. Enquanto os motofretistas perceberam um aumento de concorrência durante as fases mais intensas do isolamento social, os motoristas de apps de transporte viram sumir o público.
Agora, com o aumento acima do previsto dos combustíveis, há um novo efeito de aperto das margens que compõem o sustento dos profissionais por meio de um sério aumento de custo operacional.
Selecionando corridas
A Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp) diz que, entre efeitos da pandemia e, agora, da alta de combustíveis, cerca de 25% da frota paulistana de motoristas desistiu de trabalhar no segmento.
A estimativa da entidade é que 120 mil trabalhadores circulavam pela cidade no início de 2020. Agora, são cerca de 90 mil. Além de uma menor oferta de motoristas, os remanescentes passaram a selecionar viagens que sejam mais rentáveis por conta do aumento de preço de combustível.
“Passamos a desaconselhar os motoristas a aceitarem as corridas promocionais, da Uber Promo e 99 Poupa. O repasse ao motorista não paga 1 litro de gasolina”, diz Eduardo Lima de Souza, presidente da Amasp.
Do gasto diário de um motorista, a gasolina representa entre 40% e 50%. A taxa paga aos aplicativos gira em torno de 25%. Para boa parte dos condutores, há ainda o pagamento de parcelas do veículo ou locação.
A oferta menor de motoristas aumentou o tempo de espera para passageiros. Há uma porção de registros do aumento do intervalo nas redes sociais.
A categoria pede que as plataformas tomem uma de duas atitudes possíveis: elevem o preço das corridas ou diminuam a fatia cobrada dos motoristas. Sem uma mudança, a frota pode diminuir ainda mais.
Rosimar Pereira é motorista há mais de 20 anos, dos quais seis em atividade pelos principais aplicativos de transporte. Reconhece que a tecnologia o ajudou a ampliar a clientela – tanto que trocou o táxi pelos apps –, mas o lucro ao fim do mês já não dá conforto à família.
“Só não desisti ainda porque fiz dívidas durante a pandemia e, sem outro emprego, não consigo pagar. Trabalhar como motorista já foi muito bom, mas hoje o custo é muito alto e a troca valeria a pena”, diz.
Trabalhando de 10 a 12 horas por dia, Pereira afirma que os lucros não passam dos R$ 1,5 mil desde que o preço do combustível explodiu. Se encontrar outra oportunidade de trabalho com salário semelhante, será um a menos nas ruas de São Paulo. “A depreciação do carro seria muito menor”, conta.
Mais trabalho, menos cuidados
Para os motofretistas, a fatia dos combustíveis fica entre 25% e 35% dos gastos, a depender de quanto o profissional fatura em um dia de trabalho. Mas a taxa paga pelos aplicativos, dizem os motoqueiros, varia com a demanda de pedidos e número de trabalhadores disponíveis.
A Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (Amabr) não consegue precisar o quanto aumentou a frota de motoboys durante a pandemia, mas fez uma estimativa de que o número gira em torno de 40%, chegando a um total de 70 mil só na capital paulista.
Com a entrada de muitos novos profissionais durante a pandemia e, agora, com maior custo de rodagem, foi preciso buscar mais corridas e cortar gastos para manter o mesmo faturamento.
Fonte: G1