Depois da morte de minha companheira, estou lentamente reconstruindo minha vida e repensando meus projetos. Não está sendo fácil. Cada dia é uma batalha. A saudade parece que não vai ter fim e as lembranças estão por toda parte.
A morte, para nós católicos ocidentais, é um grande e doloroso mistério. As circunstâncias da morte, de outro lado, tornam esta dor mais dolorosa ainda. Algumas pessoas me confortam com a ideia de que para quem morre, a morte de Mirany, durante o sono, é um privilégio de poucos iluminados. Para quem fica e acordou vivo ao seu lado, porém, a saudade e a morte nesta circunstância é por demais dolorosa e sofrida.
Estávamos juntos há mais de 20 anos e temos dois filhos: Dudu (16) e Ana Clara (13). Sempre moramos em cidades do interior da Bahia. Em 2010, resolvemos que os filhos precisavam estudar em Salvador e Mirany veio com eles. Eu continuei em Coité (210 km de Salvador), indo e vindo todos os finais de semana. Por opção minha, resolvi continuar sendo juiz em comarca do interior. Meus projetos sociais, o envolvimento com a comunidade, o corte de cabelo na barbearia de Jaime, as conversas com os amigos…
Nas noites seguintes à morte de Mirany não consegui dormir um minuto sequer. Passava as madrugadas em claro e observando os filhos dormindo. Decidi, naqueles dias, que minha prioridade para este ano seria lutar com eles para encerrarem o ano letivo com êxito e só depois pensar em outros projetos e no ano de 2012. Estamos perto do fim. Os meninos estão fazendo as provas finais e, segundo nossos cálculos, vamos conseguir. O resultado será divulgado no dia 28. Estudamos juntos os assuntos das disciplinas de história e geografia e pedimos ajuda em outras disciplinas.
Estamos juntos e conversando muito. Mais do que antes. Decidimos quase tudo juntos. Até as compras de mercado fizemos juntos. Aprendemos também várias tarefas que só agora sabemos da importância. O aprendizado e amadurecimento tem sido muito importante para nós. Estamos meio fechados e nos bastando, mas precisamos disso agora e sei que vamos nos abrir mais para o mundo com o tempo.
Depois de férias e licença, retornei à Coité na última quarta-feira (16). A viagem foi dolorosa e a chegada em Coité também. Retornar do Fórum para casa foi um tormento. Passei a noite em lembranças. Na chegada, a primeira visita que recebi em casa foi de Bruno (quem é Bruno?). Em Libras (Língua Brasileira de Sinais), ele me perguntou sobre o ocorrido, pelos meninos e como eu estava me sentindo.
Respondi, também em Libras, como tinha sido a morte de Mirany, que os meninos estavam indo bem e que ainda estava muito triste. Foi muito importante perceber a emoção e sensibilidade de Bruno. Seus olhos marejados me perturbaram, mas também me animaram. Nem tudo está perdido. Senti verdade, conforto e alegria com sua visita. Sozinho novamente, perdido em lembranças, renovei a certeza de que vale a pena continuar lutando por um mundo melhor.
Os meninos vão conseguir “passar de ano” e vamos comemorar. Depois, trabalho mais alguns dias e vamos viajar durante o recesso do judiciário. 2011 terminou antes do fim e ainda não decidimos como será 2012. Sei, por enquanto, que ainda não tenho condições de cumprir os compromissos que assumi para o mês de dezembro com os estudantes da UESB (Vitória da Conquista-BA) e UFPB (João Pessoa-PB), mas me comprometo em priorizar as visitas para 2012.
Finalmente, agradeço as centenas de manifestações de carinho de amig@s virtuais de todo o Brasil e agora sinto, com muito mais convicção, a força solidária das redes sociais. É certo que os abraços reais de amig@s e parentes também foram e continuam sendo importantes, mas não existe tecla “delete” que apague em meu coração a emoção de saber que tantas pessoas estão, real e verdadeiramente, rezando e orando por nós.
Gerivaldo Neiva