O Brasil está debatendo ardorosamente a questão da maioridade penal. E todo esse legítimo ardor resulta da série de crimes praticados por adolescentes. Logo, a discussão é tão justa quanto oportunista. E o que não faltam são os oportunistas na mesa, que terminam por deslegitimar o foco do tema.
Adianto a minha posição: favorável. E sou a favor porque o nível de discernimento de alguém aos 16 anos é igual ao de quem tem 18. Se aos 16 a pessoa decide quem governa o País, é incoerente permanecer inimputável. Precisamos ponderar certos dogmas do humanismo, sob pena deste transfigurar-se em fundamentalismo,infenso a verdades científicas.
Com a mesma intensidade com que concordo com a redução para 16 anos da maioridade penal, não a defendo como um elixir para nossa insegurança pública. Muitos dos que estão abraçando esta bandeira, não o fariam se a sociedade não estivesse horrorizada com a série de crimes praticados por menores. Esses são os mal intencionados. Outros tantos, abraçam a causa por sentimento de vingança contra aqueles que barbarizam em sua delinquência. Estes são os mal informados. Porém, a segurança do cidadão é assunto muito sério e não pode servir de escada política, muito menos para dar azo a sentimentos atávicos.
O Estado que não dá efetividade aos princípios e finalidades do ECA e, por tanto, não torna eficaz as medidas sócio-educativas a que são submetidos os menores infratores, é o mesmo que não fornece policiamento quantitativa e qualitativamente esperado, não constrói delegacia e presídios suficientes para custodiar tantos quantos estão em confronto com a lei, que não supera o déficit de Delegados, Promotores e Juízes para o exercício do seu direito de persecução.E este dado elementar não tem sido considerado no debate da maioridade penal. Sinceramente, no atual contexto institucional, tudo o que se alcançará com a redução da maioridade penal é retirar o bandido de uma casa de acolhimento e colocá-lo em uma penitenciária, ambas universidades do crime, com uma única diferença: a duração do curso.
Escamoteando a profundidade do tema, a cada notícia de mais um crime praticado por um menor, a sociedade clama por leis mais duras. Assim, o Brasil se torna pródigo em uma atividade legisferante mais de holofotes do que científica. Comprova o que diz a Lei de combate aos Crimes Hediondos. Ela foi editada no calor da fúria social; o STF podou vários de seus dispositivos e os sequestros e outros tantos não desapareceram das estatísticas policiais.
Enquanto o Estado brasileiro não se impuser ao submundo do crime, de nada adiantará leis espartanas, pois as mesmas entrarão na vergonhosa galeria daquelas que não pegam. Onde já se viu um Estado de direito conviver com essa divisão de suas normas? Entretanto, a mesma sociedade que discute a redução da maioridade penal, é indiferente a falta de investimentos governamentais na área de segurança, aos desvios de conduta dos seus agentes, etc, sem se perguntar ao menos uma vez se esses fatores não contribuem para a ineficácia das Leis que temos e que não pegam.
Enfim, a questão da criminalidade é de ordem institucional. Por isto, cabe a sociedade adquirir a consciência do seu pertencimento. Como disse Eldridge Cleaver, “Se você não é parte da solução, então é parte do problema”, pelo que, se ao invés dos programas policiais, o distinto público assistisse os programas de debates, menos sensacionalistas e mais elucidativos, o brasileiro compreenderia onde a sua omissão política o coloca: na solução ou no problema. A sensação que a segurança pública nos deve propiciar é a de bem-estar e não a de vingança saciada.
Mário Lima – Procurador do Estado