Não é apenas um hábito da imprensa. O povo brasileiro também centralizou em suas conversas e debates o assunto que é a Copa do Mundo; não se pode deixar passar a oportunidade grandiosa de, como país sede, discutir como será a organização, as políticas de mobilidade urbana, a construção dos estádios e a participação popular no evento. O que talvez o brasileiro não tenha discutido é a valorização do Brasil festivo e alegre da Copa do Mundo em detrimento de outro Brasil necessitado, de pessoas que padecem nos corredores dos hospitais, dos mendigos que serão abduzidos das ruas, da gente humilde do longínquo interior, incapaz de mensurar a dimensão do que acontecerá na cidade grande.
E diante de tantas injustiças sociais, vale a pena debater como foi e está sendo feito o investimento nos estádios, no trânsito, nos aeroportos e de que maneira a população brasileira usufruirá da herança concreta deixada pelo evento. Longe do alcance da mídia e seu agendamento de notícias, é possível focar-se em outras movimentações que não sejam relativas apenas ao assunto da Copa. Em edições passadas do mundial, enquanto o país permanecia envolvido com a disputa da seleção, a roer as unhas diante da TV, vereadores trataram de aumentar seus próprios salários, deputados e senadores aprovaram leis discutíveis. Não significa dizer que isso acontecerá agora, mas quando acontece, a oportunidade para eles é a desfocagem dos assuntos.
Em Salvador, por exemplo, deu-se início nesta semana ao execrável ato de recolher os mendigos das ruas, modelo estúpido duma maquiagem social sem precedentes, que esconde os verdadeiros problemas do estado e está distante de ser solução. Assim como acontece aos mendigos, o asfalto carcomido, as passarelas caindo aos pedaços e o esgoto que corre a céu aberto, serão escondidos dos olhos alheios. Porque o importante aqui deve ser a boa imagem e a impressão de que tudo está correndo às mil maravilhas.
O brasileiro mente a si mesmo quando compactua com isso e não questiona as autoridades; a discussão aqui não é no campo político, nem partidário; diz respeito à cidadania. Se o momento de discutir não for agora, quando será? E como tudo que se promove neste país o interior fica em último lugar, vai uma ressalva: o Brasil não é formado apenas por capitais; deveria ser feita ao menos uma referência ao torcedor interiorano, apaixonado por sua seleção. Além da ressalva, há uma crítica muito mais relevante: é preciso acabar com esta teoria preconceituosa de que o Brasil do “miolo” é mais importante do que o das “extremidades”.
Não é possível prognosticar um novo grande evento para o Brasil depois das Olimpíadas de 2016, no Rio. É preciso não somente analisar os efeitos causados na comunidade internacional, fatores positivos e negativos. Mas preocupar-se um pouco com a opinião pública brasileira, com o que pensam os críticos, atentar para as reivindicações populares, representará ao menos uma vitória para os excluídos desta sociedade desatenta vestida para festa.
Mailson Ramos é bacharelando em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB)