– Tá bom, passamos vergonha perante o mundo todo. Tudo bem que até para fazer cocô foi difícil pela ausência de banheiros suficientes, mas reconheça dentro do seu niilismo que foi uma festa bonita.
Foi com ênfase nestas palavras que meu amigo e compadre João Nariz de Quibe justificou tudo de ruim que aconteceu durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Ele lá esteve desde as primeiras horas e dias iniciais. Acompanhou o papa em todos os pontos em que ele esteve e garante que correndo por fora, seguiu o Papamóvel para não perder um gesto que fosse, uma bênção qualquer lançada por Francisco.
– Tenho tantos pecados que precisava assegurar que cada bênção absolvesse pelo menos um e assim fui encaixando cada uma. Para piorar minha situação, como o papa disse que temos de compartilhar, decidi pedir absolvição dos meus pecados e dos amigos endemoniados como você.
E apontou para mim como se eu fosse o próprio belzebu sem deixar nem um pequeno espaço para que eu pudesse me defender, mas cortei sua palavra e disse a frase mágica para poder dialogar:
– João, Deus é brasileiro.
Ele parou então para me ouvir e aproveitei a falha temporal que bateu em seu juízo para prosseguir: – Deus é brasileiro quando no momento em que mais de três milhões de pessoas se concentram em Copacabana e ninguém morre. O que se esperava é que os traficantes aproveitassem e disputassem pontos de venda nos bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon, ou você acha que fiel não cheira nem fuma? E era para ter tiroteio e não teve e o número de assaltos foi até pouco em relação ao volume de gente.
João puxou o ar e ia falar mas não deixei emendando: “Tenho a impressão que os bandidos devem ter pensado que se eram peregrinos e jovens os caras eram duros, dependem de mesada dos pais e deviam estar dividindo cachorro-quente ou comendo bolacha quebrada e não valia gastar uma bala para levar o cofrinho dos meninos e meninas”.
Nariz de Quibe foi ficando vermelho e me apressei a juntar de novo as palavras e chamei sua atenção para o fato de Deus ter provado que é brasileiro somente pelo fato de ter impedido que morressem um monte de garotos que nunca viram o mar e estavam alegres e saltitantes nas traiçoeiras ondas de Copacabana onde certa vez me enrolei todo e quase fui levado, mas aí é outra história.
Expliquei para ele que foi uma festa bonita, emocionante, em se tratando do carisma e simpatia do papa e da alegria constante que a juventude transmite. Foi muita emoção e fé, mas também um tratado da falta de competência. Falta de profissionalismo do prefeito do Rio de Janeiro que não teve inteligência suficiente para oferecer condições de atendimento aos fiéis em termos de transporte. Teve gente – aí verdadeiros penitentes e peregrinos – que andou mais de 20 quilômetros para chegar em casa por falta de metrô, trem, ônibus, vans, Kombi, fusquinha, carroça ou carrinho de mão.
A própria Cúria carioca mostrou que não estava preparada para fazer a festa quando montou uma imensa estrutura para receber os milhões de peregrinos em uma área de charco e sequer se deu ao trabalho de perguntar ao Climatempo, olhar para o céu ou ligar para um jornal para saber se era estação das chuvas. Como era tudo virou um lamaçal sem precisar que ninguém pisasse no local. O mais grave é que nem padre, nem coroinha, nem bispo ou arcebispo se lembrou de consultar Deus para saber se iria chover.
Neste instante João Nariz de Quibe saltou da cadeira com os olhos injetados de sangue e me disse com dedo em riste que me deu medo:
– Meça suas palavras herege. Infame ateu. Respeite o Senhor. Não use seu santo nome em vão…
– Que Deus mande um raio e te quebre ao meio.
Me arrepiei todo e olhei para o céu num reflexo condicionado. Mas como sou pirracento, antes de sair correndo para Nariz de Quibe não me gargelar resmunguei baixinho:
– O chato, João, é que São Pedro, o primeiro papa e quem faz chover, mandou chuva. Será que só porque o padre é argentino e ninguém gosta de argentino? E se Deus manda uma caganeira geral iria soterrar o Rio. Seria o inferno.
João Nariz de Quibe está de tocaia me esperando. Em nome do papa.
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