Chico Anysio, um dos maiores humorista deste país, encarnou o deputado Justo Veríssimo que odiava os pobres e fazia uma clara – e preconceituosa – distinção entre as classes sociais, atirando aos menos favorecidos toda má sorte da condição de ser desvalido. O que Chico fez, em sua pluralidade criativa, foi interpretar uma figura que existe sim. Há políticos neste país que enxergam a população apenas como objeto propulsor de suas conquistas na carreira pública. E, diga-se de passagem, que na qualidade de objeto, o povo ainda recebe uma carga negativa de estereótipos, principalmente em se tratando das populações ditas indesejáveis: mendigos, catadores de recicláveis, gente que vive nas ruas. Existe uma desconsideração com estas minorias que extrapola o senso do absurdo.
Os vereadores da cidade de Piraí, sul fluminense, se reuniram no dia 8 de outubro para sessão ordinária na Câmara Municipal. Eis que surge a discussão sobre um bizarro projeto de lei que proíbe o voto aos moradores de rua. “Mendigo deveria até virar ração para peixe”. Esta frase infausta foi proferida pelo vereador José Paulo Carvalho de Oliveira, o Russo, ao discursar. E ele continua: “Mendigo não tem que votar. Mendigo não faz nada. Ele não tem que tomar atitude nenhuma. Eu não dou nada para mendigo. Não adianta me pedir que eu não dou. Se quiser, vai trabalhar”.
A insensibilidade política e humana deste sujeito causa espécie a toda sociedade, inclusive pelo fato de que sendo um homem público, o José Paulo deveria estar de braços abertos a colaborar especialmente com os mais necessitados. O fato é que não são casos isolados. Existem mais exemplos do que a vã filosofia da opinião pública possa supor. Não é a primeira vez, nem será a última. A estas populações indesejáveis recai o peso duma marca social e identificadora que o distingue negativamente das outras populações. É o chamado estigma.
O cientista social Erving Goffman conceituou o estigma como atributo que produz um amplo descrédito na vida do sujeito; em situações extremas, é nomeado como “defeito”, “falha” ou desvantagem em relação ao outro; isso constitui uma discrepância entre a identidade social virtual e a identidade real. A sociedade impõe a rejeição, leva à perda da confiança em si e reforça o caráter simbólico da representação social segundo a qual os sujeitos são considerados incapazes e prejudiciais à interação sadia na comunidade. Fortalece-se o imaginário social da doença e do “irrecuperável”, no intuito de manter a eficácia do simbólico. Talvez não entendidas com a conceituação teórica, mas as pessoas estão cansadas de ver e perceber estas situações no cotidiano. É antes um problema social que desemboca na alçada política.
Pelo aspecto institucional, jurídico e estatutário, o presidente da Câmara Municipal de Piraí, o vereador Wilden Vieira da Silva, entendeu que a imagem da instituição não foi manchada, pois se tratava da opinião isolada de um vereador. Mas o que reflete esta opinião isolada? Será que ela é isolada mesmo ou ganha atributos de amplitude pelas cidades do Brasil? Será que este sentimento de recusa à responsabilidade pelos desvalidos foi apenas retratado nas falas do vereador de Piraí? E a população, será que se esconde por trás da atribuição dos homens públicos para reforçar que deles é o total compromisso de melhorar a vida dos moradores de rua? Questão para se discutir um problema que nasce nas estruturas duma sociedade que caminha para o amadurecimento promovido por suas mazelas.
Mailson Ramos é bacharelando em Comunicação Social/Relações Públicas e escritor.