Tarde de sábado. 02 de Abril de 2005. Os fiéis preenchem cada metro quadrado da Praça de São Pedro. Suplicam pela saúde de um papa convalescente que alcanço um magnífico momento de glória e santificação ao mostrar-se frágil, sensível à dor como qualquer cristão. O clima é de despedida. Os sufrágios são nada mais que desejos constantes de que a alma do Santo Padre entre em contato com a glória de Deus, purgando assim todo o sofrimento que acomete a matéria, a carne humana em toda sua debilidade. Em espírito, João Paulo II está entregue nas mãos de seu Senhor. No apartamento privado, cercado pelos mais estreitos colaboradores, o papa agoniza entre alterações de temperatura e dores quase sempre amainadas pelas intervenções medicamentosas. De repente, quando cai a noite, em sua lucidez inquebrantável, João Paulo II sussurra aos médicos: “Deixem-me ir para a casa do meu Pai” (em polaco: Pozwólcie mi iść do domu Ojca). Os responsáveis pelo paciente, especialmente o Dr. Renato Buzzonetti, não tem mais o que fazer.
Quando papa entrega sua alma, o Cardeal Angelo Sodano é o responsável por anunciar sua morte aos fiéis. Agora os sinos da Basílica de São Pedro soam como nunca. A luz acesa nos aposentos papais faz com que todas as pessoas direcionem seus olhares lacrimejantes para lá. Naquele espaço jazia a relíquia material de um ser inclassificável. Esta relíquia seria seguida ininterruptamente por vários dias, sobre um catafalco escarlate, antes na Sala Clementina e depois no altar central da Basílica de São Pedro. O rosto sereno exprime descanso. Diz-se na imprensa que os fiéis começam a lhe atribuir santidade, situação confirmada na última missa exequial presidida pelo então Cardeal Ratzinger (depois Bento VI). Os gritos de ‘Santo Subito’ são a coroação de uma vida entregue pela fé.
É um anseio dos fiéis que o Papa Wojtyla seja feito santo, como se o senso de santidade fosse criado ou recriado a partir de um momento de beleza simbólica de fé como foi durante a morte e exéquias do papa. Não. João Paulo II era santo por sua entrega total ao serviço do evangelho e da igreja, aceitando assim os desígnios de Deus. O retorno desta entrega ou mesmo a ação que proporciona esta entrega é o que ele chamava de Divina Providência. Desde a perda de todos os familiares, ao período obscuro da 2ª guerra mundial, seguido por sua ascensão na hierarquia eclesiástica, João Paulo II demonstrou que a santidade o acompanhava onde quer que estivesse porque sempre trilhava um caminho de luz.
Em 01 de Maio de 2011 um lenço desfralda uma imagem imensa na parte frontal da Basílica de São Pedro. Na imagem um papa vestido com uma capa escarlate abre quase um sorriso. Benevolente, icônico, João Paulo II é beato. No interior do maior templo da cristandade o caixão revestido por um manto dourado está cercado por flores nas cores da bandeira vaticana. Com a beatificação se abre caminho evidentemente para a canonização. Mas além destas atribuições que fazem parte da história da igreja, existe um conteúdo espiritual importantíssimo que deve ser levado em conta quando o assunto é João Paulo II: a devoção. Com os joelhos sempre dobrados, mesmo sendo um idoso; com as mãos sobre o rosto como a dizer que é um humilde servo diante de Deus, o papa representa um signo de humildade. Será impossível não encontrar na cerimônia de canonização, em 27 de Abril de 2014 uma oportunidade única para agradecer a Deus a presença de um homem tão marcante em nossas vidas, na história humana e cristã.
Mailson Ramos é estudante de Relações Públicas na Universidade do Estado da Bahia e autor do livro Papa João Paulo II Comunicação e Discurso