Desde criança eu o conhecia como alguém que colocava o trabalho e o profissionalismo em primeiro lugar. E aqui é necessário abrir um parêntese para explicar que ser profissional e prezar pelo bom trabalho não são características apenas de pessoas instruídas e acostumadas aos corredores da academia. Sei que ele sabia tão somente assinar o nome e soletrar algumas palavras. E por que começar falando sobre o trabalho? Porque para Marcelo Pereira de Oliveira, meu pai, o trabalho consistia na única maneira de um homem ser digno diante da sociedade. A vida o colocou frente a desafios nem sempre fáceis de serem superados, mas eu enxergava naquelas mãos calejadas e naquele jeito manso de andar uma força para enfrentar qualquer adversidade. Das histórias que contava não dá pra lembrar a metade. Em quantas fazendas trabalhou, quantos prédios em construção subiu, quantos amigos fez dentro das obras, quantas pessoas o admiraram desde o primeiro momento.
E pensar que aquele jovem rapaz trilhou um dia o caminho que hoje é natural – mas antigamente não era – e partiu do interior para a capital em busca de novas oportunidades. Amigos tinha aos montes. Eram tantos quanto as festas que frequentava na Lapa, Barroquinha, entre as décadas de 70 e 80. De repente chega o momento de saber qual seria o futuro dos filhos. Não nos faltava cadernos, canetas, mochilas e tudo o mais que um estudante necessitava. Estava longe, mas a ordem era a mesma ao longo dos anos: estudem! E ali a paixão por Salvador me fez dizer que quando crescesse, deveria estudar na capital. Não havia objeções. De fato eu encontraria Salvador em 2011 para estudar e aqui morar. Para cumprir a promessa de apoio ao filho, meu pai resolveu morar comigo. E foram três anos de contato como nunca tivemos.
Às vezes ele se esforçava para entender o que eu falava sobre os assuntos da faculdade e eu ouvia sem vontade as lamúrias que ele contava sobre o trabalho, mas ainda assim nos entendíamos muito bem. De repente ele compra o meu sonho e faz da minha entrada na universidade uma ocasião de comemoração. E imaginávamos o dia da formatura. Como seria aquele grande dia em que todo o nosso esforço seria recompensado com o reconhecimento dos amigos, das pessoas que aguardaram o momento dia após dia. Dias sofridos, horas e noites que quase não passavam. Éramos tão sós que às vezes dava dó um do outro. Buscávamos um só caminho: ele sofrendo no trabalho para sustentar meus estudos e eu sofrendo por vê-lo sofrer.
E antes que o tão sonhado momento chegasse, eis que ele parte. Em silêncio. Longe de mim. Não houve momento para despedida. Na verdade não gostávamos de nos despedir. Mas agora era necessário. Como era necessário entender que um dia todo mundo tem que partir. Na noite anterior, aquela velha preocupação pelo telefone. Havia um medo que eu estivesse desamparado. Era a última vez que ouvia sua voz. Essas coisas não se pode prever. Por isso eu ainda esperava seu retorno alguns dias depois. Não haveria retorno. Sabe Deus a falta que ele sentiu da minha presença. E a falta que eu vou sentir? Estávamos tão perto de realizar nosso sonho em comum. Será que não dava para esperar mais um pouquinho?
Agora o desafio aumentou, mas a vontade de chegar lá triplicou. É questão de honra, de promessa, a ferro e fogo. Não me vejo em outro lugar senão recebendo as congratulações de amigos e conhecidos para cumprir um sonho sonhado junto. E meu pai, mesmo que distante, saberá do meu feito. Dirá como sempre que sou ‘arretado’! E daí por diante jamais me esquecerei de tudo aquilo que ele me ensinou. In Memoriam de Marcelo Pereira de Oliveira.
Mailson Ramos é estudante de Relações Públicas e autor do livro Papa João Paulo II Comunicação e Discurso.