Tocaram a minha porta e qual não foi a minha surpresa quando de cá de dentro perguntei quem era e lá de fora veio a resposta: não é ninguém não, é o padeiro. Abri a porta e dei de cara com um velhinho que, desta vez, não estava assoviando e entregando pão.
Convidei o a entrar, afinal fazia muito tempo que não batia em nossas portas, Disse-me que há muito largara o ofício, pois não queria ter a mesma sorte do leiteiro, aquele lá do Drumond, que vinha do último subúrbio entregando leite bom para gente ruim.
De fato, aquele velho Padeiro tem razão. As nossas cidades já não permitem que as madrugadas sejam de leiteiros e padeiros. Mesmo assim indaguei-lhe sobre aquela amargura, falando assim de uma gente ruim, ele que dissera ao mestre Rubem que não se importava de ser chamado de ninguém.
Aí então o Velho abriu o seu coração. Dissera que por vários anos de sua vida ouvira das empregadas das casas ou de outras pessoas que não era ninguém e sim o rapaz do pão e nunca se importou com isso. Aceitou com resignação a mudança dos tempos, de modo que já não existe aquela relação fraterna entre o padeiro e os seus fregueses. Falou de sua aposentadoria que não dá pra quase nada, principalmente depois que inventaram esses empréstimos pros aposentados, etc. etc. e coisas que tais.
Então lhe perguntei o que de tão grave aconteceu assim. Ele então voltou ao seu passado e me disse que na sua mocidade fora da esquerda e, como ninguém suspeitaria de um simples padeiro, que não era ninguém, prestara muitos serviços clandestinos ao Partido. Contou-me com orgulho sua participação na campanha do Petróleo é Nosso e por aí foi.
Senti então que o Velho Padeiro não estava de fato de bem com a vida. Aí deixei ele falar. E ele falou.
Disse de sua satisfação quando viu um metalúrgico chegar a Presidência, certo de que dali por diante um padeiro poderia ser alguém. Ficou ainda mais satisfeito quando uma mulher chegou a Presidência e nem se importou que ela tivesse mexido na gramática.
O que ele não estava nada gostando é o que estavam fazendo com a PETROBRÁS, aquela porque ele tanto brigara em sua juventude. Lembrou inclusive de Rockfeller. Mas agora, aceitar calado alguém dizer que a bancarrota da Viúva era por causa de uma conta de padeiro, lá isto já é demais.
Expliquei-lhe que, se o negócio da PETROBRÁS não tinha nada com farinha, ovo e fermento, então houve uma ofensa a sua categoria. Indaguei-lhe se não pretendia uma reparação. Desolado, disse que só restava a ele um tango argentino.
MARIO LIMA
ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO DA BAHIA