Não por mérito, mas por graça de Deus, cheguei aos setenta e nove anos. Hoje me sinto como num belvedere, num mirante, de onde tenho uma visão panorâmica, que eu não podia ter, quando estava no sopé da montanha, isto é, durante à adolescência e na juventude.
QUANTA água já passou debaixo da ponte! Sou filho da terra, da roça e me criei longe das grandes cidades, no interior do interior. Vi chegar quase tudo: os primeiros carros, o rádio, a televisão, o cinema… Levantava de noite e corria até a estrada para ver de perto um carro passando com os faróis ligados – com os olhos acessos – dizia eu. Filosofava admirado: Como é possível?
QUE ESPANTO tomou conta de mim quando usei o primeiro gravador reproduzindo exatamente minha voz, com seus cacoetes, sotaque e timbre. Fui provocado a dizer alguma coisa, a fazer uma declaração e ouvir a minha voz. E o que dizer do primeiro filme? Que saudades da sala entulhada de jovens para ver TV, sempre parecendo estar chovendo. Anos depois veio a informática: computadores, smartphones, celulares, tablet…
É O MISTERIOSO fluir da vida, ano após ano, em décadas sucessivas como torrente que não se estanca. Fui carregado ao colo, aprendi a andar, desfilei na passarela das idades, com ou sem torcida, vivi diferentes experiências, atravessei sucessivas ondas. Lembro a onda das bolinhas de gude, da fase da escola, da participação popular, das decepções políticas… a vida flui inesgotável e dentro dela, fluímos nós.
SINTO-ME, hoje, muito mais irmão de todos, muito mais aberto em todas as direções. Dou-me conta de que saímos do mesmo Ventre, da mesma Fonte, do mesmo Espírito. Só que, chegando ao Planeta Terra, nos foram dadas, a cada um, vestimentas diferentes, conforme a cultura, a etnia, a raça, a cor e a religião. Apesar de algumas divergências, vivemos como irmãos.
A VIDA é uma aventura fantástica! Quem foi que me presenteou com o ingresso nesse espetáculo da vida? Como saldarei dívida tão vultosa? Por quanto eu faça, serei eternamente inadimplente e agradecido. Agora, peço ao Criador para que eu possa chegar aos 80 anos, mas esse é o segredo de Deus: “Aos setenta anos vai a duração da nossa vida… Fato notável é chegar aos 80. (Sl 90,10).
Dom Itamar Vian
Arcebispo Emérito
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