A Bahia é o único estado brasileiros com três municípios na lista das 50 cidades mais violentas do mundo. Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista aparecem no ranking da ONG Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal do México, especializada em estudos da violência, divulgado este mês. Rio Grande do Norte, com duas cidades, Amazonas, Ceará, Pernambuco, Alagoa e Piauí, cada um com um município, também aparecem listados.
As três cidades baianas elencadas na pesquisa desse ano, referente ao ano de 2022, também apareceram na edição do ano passado, que considera dados da violência de 2021. O levantamento é realizado há 15 anos.
Segundo o estudo da ONG mexicana, nove das dez cidades mais violentas em 2022 ficam no México. No Brasil, o primeiro município a aparecer no ranking é Mossoró, no Rio Grande Norte, que ocupa a 11ª posição. Em seguida aparece Salvador, no 19º lugar. Todas as cidades apontadas são do Nordeste ou do Norte do país, no caso de Manaus (AM), na 21ª posição.
Em Salvador, no último domingo (26), moradores de Ondina ficaram assustados com um tiroteio intenso na Avenida Oceânica. Um homem apontando como líder do tráfico nos bairros da Gamboa, Garcia e Narandiba foi morto em uma operação policial. No mesmo dia, uma criança de 2 anos foi baleada durante outra operação no bairro de Fazenda Grande do Retiro. Houve troca de tiros entre PMs e bandidos. Já em Pernambués, os tiroteios frequentes obrigaram escolas a suspenderem as aulas na semana passada.
Já quem mora no interior do estado afirma que a violência não é menor. Uma professora que vive em Feira de Santana, cidade apontada como a 22ª mais violenta em 2022, contou que já teve dois celulares roubados em um período de um ano. Ela teve medo de se identificar para a reportagem. “A primeira situação foi no final de 2021. Estava no ônibus quando eles [bandidos] chegaram e anunciaram o assalto. A outra foi quase na porta de casa, no ano passado. Dois homens em uma moto levaram o meu aparelho e de duas vizinhas que tinham saído para colocar o lixo para fora. Nos dois casos, eu ainda estava pagando o celular”, contou.
Em janeiro, o CORREIO mostrou a escalada da violência na Princesa do Sertão. Em cerca de 15 dias, 26 mortes violentas foram registradas no município. O número representa 76% das mortes em todo o mês de dezembro do ano passado, quando 34 aconteceram. Os dados são da Polícia Civil baiana.
Centros urbanos mais distantes da capital também estão sentindo a insegurança. Vitória da Conquista, no Sudeste da Bahia, ocupou a 26ª posição entre as 50 cidades mais violentas de 2022. Por lá, a população ainda comenta sobre o assassinato do enfermeiro André Chagas Leite, 26 anos, no mês passado. Ele foi morto a tiros durante um assalto. Dois suspeitos foram presos cerca de 10 dias depois.
A pesquisa da ONG mexicana analisou cidades com mais de 300 mil habitantes, usou dados oficiais e estimados de homicídios e populacionais para traçar uma taxa média de mortes, e descartou municípios que vivem conflitos de guerra. “O objetivo é chamar a atenção para a violência nas cidades, particularmente na América Latina”, diz o estudo.
Autoridades
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, em nota, que desconhece a metodologia usada pela ONG, contestou a pesquisa e apresentou dados de redução da violência nas três cidades citadas. Confira o posicionamento na íntegra:
A Secretaria da Segurança Pública desconhece a metodologia usada pela ONG e contesta a pesquisa que estipula um ranking, sem coletar os dados dos municípios de todos os continentes. Com relação às quatro cidades baianas citadas, Salvador apresentou redução de 12%, Feira de Santana teve diminuição de 13,1% e, em Vitória da Conquista, as mortes violentas recuaram 49,5%. A SSP ressalta ainda que as reduções refletem o empenho das polícias Militar, Civil e Técnica, além do investimento de R$ 1 bilhão, nos últimos quatro anos, em tecnologia e renovação dos efetivos.
A prefeitura de Salvador informou que tem realizado investimentos para auxiliar no reforço da segurança pública, “cujo dever constitucional não é da gestão municipal”. O texto destaca a modernização da iluminação pública, 100% em LED, e a valorização dos 1,3 mil guardas municipais que atuam na prevenção da violência.
“A Prefeitura ressalta que mantém parceria com as polícias em algumas ações, a exemplo dos grandes eventos, como Carnaval e Réveillon, e operações (como a Sílere, de combate à poluição sonora). A Prefeitura reforça que seguirá trabalhando para auxiliar o trabalho da segurança pública e promover a proteção das pessoas”, conclui a nota.
O prefeito de Feira de Santana, Colbert Martins (MDB), acredita que a geografia da cidade favorece a ação de traficantes, afirmou que facções do Rio de Janeiro estão atuando também em Feira e cobrou ações mais efetivas.
“Entendo que o governo do estado precisa fazer uma ação mais específica e diferenciada em Feira de Santana, porque ao contrário de Salvador, que é um destino final, Feira é um local de passagem. O tráfico passa pela cidade, e esse aumento da violência nos preocupa. Esse ano já registramos 67 homicídios, em dois meses”, explicou.
Uma das preocupações do gestor é com a Micareta, carnaval fora de época marcado para acontecer entre 20 e 23 de abril. “Temos mais de 300 câmeras, um centro de operação onde atuamos de forma integrada com as polícias Civil, Militar, Rodoviária Federal e com outras instâncias. Construímos unidades para as polícias e temos a Guarda Municipal, fazemos tudo o que é possível dentro dos limites do Município”, afirmou.
A prefeitura de Vitória da Conquista foi procurada, mas não se manifestou.
Nova política
Para a antropóloga e pesquisadora na Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Belle Damasceno, o estudo internacional apenas traduziu em dados o que a população sente no dia a dia, e frisou que essa não é uma questão somente de polícia.
“Temos um modelo de segurança pública que é pensado apartado de políticas públicas de direito humanos indispensáveis a não violência, como cultura, educação, saúde e segurança alimentar. A conjuntura econômica também é fundamental para esse cenário. São questões que não podem ser dissociadas, porque estão relacionadas”, explicou.
A pesquisadora afirmou que existe também questões raciais atreladas a esse debate. “Uma pesquisa mostrou que a quantidade de entorpecentes apreendidos na Pituba era maior que no Nordeste de Amaralina, mas foi no Nordeste onde houve a maior quantidade de conflitos, porque existe um processo de estigma que naturaliza a violência nesses espaços, por isso, dizemos que não são bairros violentos, são bairros violentados”, disse.
Ela explicou que é preciso uma política de segurança que preserve a vida. “Com o objetivo de impedir a circulação de entorpecentes, matam-se pessoas. E isso é visto como natural. Uma operação que termina em chacina não é uma operação de sucesso”, afirmou.
O historiador Dudu Ribeiro integra a Rede de Observatórios da Segurança e explicou que o ranking não surpreende os pesquisadores, porque corrobora com estudos feitos nessa área. Ele citou a reorganização e migração de organizações criminosas e os confrontos policiais como determinantes para o aumento da violência, e também acredita que esse não é um problema apenas de polícia.
“Existe uma lógica de produção de segurança a partir da atuação da polícia de forma violenta e da ocupação de territórios negros. É preciso pensar a segurança pública para além da atuação das polícias, como parte do direito fundamental de cada cidadão e cidadã, e ampliar o acesso a direitos aliado a uma reforma do modelo de segurança pública”, afirmou.
Confira a posição das cidades brasileiras no ranking:
11ª Mossoró (RN)
19ª Salvador (BA)
21ª Manaus (AM)
22ª Feira de Santana (BA)
26ª Vitória da Conquista (BA)
28ª Natal (RN)
31ª Fortaleza (CE)
35ª Recife (PE)
36ª Maceió (AL)
40ª Teresina (PI)