Nos últimos anos, o País voltou suas atenções para um fenômeno que, infelizmente, de há muito acontecia: o bullying. Além do atraso no enfoque do assunto, também merece censura o recurso mais uma vez ao estrangeirismo para designar certo fenômeno, quando, com algum esforço, poderíamos encontrar no lexo nacional palavra ou conjunto delas que traduzisse esse malsinado comportamento. Feito esse protesto em defesa da pátria (“Minha língua é minha pátria”), vou aqui utilizar o bullying, reconhecendo-me vítima de uma de suas formas: o modismo.
Sendo o bullying o exercício arbitrário da lei do mais forte, suas manifestações se dão nos mais variados lugares, onde quer que haja convivência coletiva. Não é por menos que sua ocorrência é mais perceptível nos ambientes escolares e de trabalho.
Muitas causas contribuem para que alguém se sinta legitimado a subjugação de outra aos seus desígnios bestiais. O Psicanalista e Educador Içami Tiba foca a questão do instinto animal como mola propulsora de tal comportamento. De fato, se ao homem foi dado pelo Criador o discernimento, não se justificaria que ele aja como o lobo em sua matília, que elimina O mais fraco, o diferente, em nome da sobrevivência do coletivo.
O autor do bullying está muito longe de ser um guardião de sua comunidade; ao contrário, o seu egoísmo só lhe permite enxergar as dimensões de sua musculatura, física, econômica hierárquica ou política. Política? Sim, isto mesmo: política. Falamos diuturnamente do bulying do colega de sala ou de trabalho, do professor ou do chefe, do vizinho, etc, mas não vemos em certos comportamentos político-partidários uma forma de bullying.
Desde que o Estado foi criado lá pelos anos 3000 ou 2.500 a.C., pelos Fenícios ou pelos Sumérios (quem sou eu para entrar nesta discussão?), os homens se batem pelo Poder. E de lá até aqui, os métodos empregados foram marcadamente torpes. Entretanto, os avanços culturais dos povos vêm cobrando mais civilidade nas disputas pela máquina estatal. Busca-se incessantemente que nas contendas o argumento da força ceda espaço à força dos argumentos. E, em grande medida, essa cruzada civilizatória tem sido exitosa, bastando observar a prevalência de regimes democráticos sob os de exceção; ascensão de forças populares, substituindo elites historicamente dominantes, etc.
Prova do desejo social por eleições limpas, temos no Brasil a sua primeira Lei de Iniciativa Popular, a qual combate justamente a captação ilícita de votos. Segundo o Art. 41-A da Lei Geral das Eleições, constitui captação de sufrágio, por ela vedada o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.
Ora, a Lei trata apenas da oferta. Entretanto, há o verso da medalha. É comum os candidatos, sobretudo nas pequenas Cidades, concomitantemente com a oferta a uns, usar da ameaça a outros. Naturalmente que a Legislação já cuida das ameaças de suspensão ou não ingresso nos programa sociais, das demissões, reduções salariais, transferências de local de trabalho e outras do gênero, enquadrando-as nas condutas vedadas aos agentes públicos ou em abuso do poder político. A Lei também cuida daqueles que constrangem quem pretende denunciar práticas eleitorais ilícitas. A questão, pois, está na sociedade.
Quem usa da ameaça para obter o voto, está usando do seu poder político e/ou econômico para chegar ao Poder. Portanto, usa da lógica do mais forte e, assim, também pratica bullying.
Acontece que a mesma sociedade que vem repudiando o bullying entre adolescentes ou entre colegas de trabalho, que justicializa os pedófilos e traficantes, ainda tem sido muito pouco implacável, sendo muitas vezes tolerante, com os fraudadores da soberania popular. Sem embargo do exagero, não há diferença entre quem corrompe vontades ou quem pratica o estupro; entre quem vende drogas e quem compra ou manipula votos. A questão é apenas de aparência e de método, pois , enquanto o criminoso do Código Penal é um mal-encarado e age “na vera”, no mais das vezes, o bandido eleitoral é um sujeito galante, empresário, tem anel de doutor e, em lugar da força física, usa da boa lábia.
Não menosprezando a dor de quem sofre uma violência física, a qual o Estado tem o dever de reparar, a sociedade deve compreender que o bandido eleitoral causará dores a milhares de cidadãos, pois quem chega ao Poder por vias escusas, com certeza vai cobrar a despesa da viagem. Assim, quando a rua não for varrida ou não estiver iluminada, os salários dos servidores atrasar, faltar a merenda escolar ou remédio no hospital, quando faltar professor ou médico, é fácil entender o motivo: basta ver o destino das verbas públicas.E aí convém verificar como o gestor conseguiu sua eleição.
Acima falamos do instinto animal e agora cabe demonstrar onde ele entra nessa história. O elemento que, ainda nos dias atuais, utiliza da coação como prática eleitoral, compreende a política como instrumento para a satisfação dos seus próprios interesses e vê na máquina estatal parte integrante do seu patrimônio particular. Esse pernilongo institucional é mais nocivo que o outro da bioesfera. Combatê-lo é dever de todos, afinal quando ele se lança contra alguém, indiretamente atinge a toda a sociedade, eis que, sendo a democracia o governo de todos, se a apenas um faltar a liberdade de escolha, o “todo” não se completará. Quem tiraniza uma nação, iniciou sua obra pela humilhação do mais fraco de seus membros e ninguém se importou com isto.
MARIO LIMA – ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO DA BAHIA