O Tribunal de Justiça da Bahia aprovou por unanimidade o afastamento cautelar, por 90 dias, do juiz Luiz Roberto Cappio, que determinou o retorno a Monte Santo das cinco crianças adotadas por famílias paulistas, além do pagamento de indenização às vítimas. A ação foi julgada no Pleno do Tribunal na manhã de quarta-feira (17), em Salvador. A solicitação foi feita pelo Ministério Público da Bahia.
O juiz revisou os processos de adoções na cidade do interior baiano e apontou irregulariades, o que motivou as decisões favoráveis à família baiana. As crianças foram retiradas da cidade no mês de junho de 2011, por ordem do juiz Vitor Bizerra. À CPI do Tráfico de Pessoas, Vitor Bizerra alegou que, para a concessão, se baseou em relatórios do Conselho Tutelar e do Ministério Público do estado.
Após a decisão, em conversa com o G1, Cappio afirmou que o afastamento simboliza o início de uma “guerra” e avaliou que os desembargadores do TJ-BA foram conduzidos ao erro pela argumentação do MP-BA. “Não se afasta um magistrado dessa forma. Obviamente, não vou deixar de me defender. As pessoas que estão por trás disso vão ter que responder civilmente e criminalmente. É absurso e inadimissível”, diz o juiz, que, até então, atuava na comarca de Euclides da Cunha, após ter sido deslocado de Monte Santo.
O procurador-geral adjunto do MP-BA, Rômulo Moreira, preferiu não dar entrevista, mas justificou à assessoria de imprensa o pedido de afastamento com os argumentos de que houve uma “indisposição” do juiz com os três promotores da comarca de Monte Santo, com os serventuários da Justiça e com o delegado de polícia. Além disso, defendeu para a Justiça a “baixa produtividade” do magistrado.
O corregedor do TJ-BA, Antônio Pessoa Cardoso, relator do processo administrativo, confirmou que a medida cautelar foi tomada com base nos problemas de relacionamento do juiz e no número de sentenças proferidas na Vara Crime de Euclides da Cunha. O magistrado pode entrar com recurso.
“Ele é titular de Euclides da Cunha e, por um período, ficou em Monte Santo. Lá, teve esse problema de adoção que levantou a mídia toda para apreciar o fato. O juiz, de uma hora para outra, se tornou uma peça de conhecimento de toda mídia. Mas, no ano de 2012, não tinha nenhuma sentença proferida pelo juiz [em Euclides]. Nos anos de 2011 e de 2010, a produtividade foi ridícula, duas a três sentenças durante o ano todo. Para você ter uma ideia, o juiz costuma proferir em torno de mil sentenças. Assim, não tem como movimentar a comarca”, relata. Além disso, afirma que, durante confusões, Cappio teria chamado os colegas de “burros” e “incompetentes”.
Cappio acredita que a decisão do TJ-BA foi baseada em provas forjadas do MP-BA, entre elas, versões deturpadas da discussão que travou com um promotor, que, segundo ele, é suspeito de envolvimento com o tráfico de pessoas. “Muito me desagrada essa postura solidária a todos os suspeitos. Foi uma discussão, evidentemente, sem ofendê-lo. Eu falei com muita veemência o que eu pensava. Eles distorceram todos esses fatos e apresentaram isso ao Pleno do Tribunal, que foi induzido ao erro. Faz parte do jogo. Eu confio na seriedade do TJ. É algo absolutamente contornável com muito equilíbrio e confiança. Até já esperava que isso pudesse acontecer, eu estou lidando com uma quadrilha, uma organização criminosa”, afirmou.
Para ele, Monte Santo e Euclides da Cunha, onde mora atualmente, fazem parte de uma rota de tráfico de pessoas, entre elas, crianças. Diante disso, ele alerta a necessidade do governo brasileiro interferir de forma mais incisiva na questão. “Tenho certeza absoluta, não só eu, como autoridades federais, membros da CPI. Essas cidades estão no roteiro do tráfico de pessoas, de adoções irregulares, e o judiciário é usado para fins ilícitos. Estamos falando de vidas de crianças indefesas que estão sendo coisificadas, não são tratadas como sujeitos. É preciso acompanhar mais de perto. Bastou um juiz enfrentar com destemor esses agentes públicos para ser afastado cautelarmente, o que dá veracidade ao que eu acabo de afirmar. Isso é inadimissível”, avalia.
Segundo ele, após as denúncias de irregularidade, tem acumulado mais de 20 representações contra a sua atuação. Por três meses, Cappio foi contemplado com uma escolta policial federal por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme conta. “Hoje estou sem escolta, afastado cautelamente, praticamente sem defesa. Tudo o que me resta é fazer pública essa vergonha”, lamenta ele, que não tem apoio, até agora, de nenhuma entidade de magistrados.
CPI do Tráfico de Pessoas
O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que apura os casos de tráfico de pessoas no país, Arnaldo Jordy (PPS-PA), está convicto que Monte Santo e Euclides da Cunha são rotas do crime. “Há uma rede criminosa de tráfico de crianças para fins de adoção ilegal. O que estamos ultimando é a extensão dessa rede e os personagens”, diz, em entrevista ao G1.
O parlamentar afirma que há indícios de benevolência de membros do judiciário no processo. “A capa legal dessa rota do crime organizado conta com a cumplicidade da estrutura da organização judiciária da Bahia. Tem uma postura estranha envolvendo cartórios, fóruns, pessoas”, comenta.
A atuação dos juizes na adoção irregular na Bahia é investigada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Informações G1