Acho que nunca ouvi uma música sequer de um cantor baiano chamado Ricardo Chaves. Sei que é um desses cantores de axé, carnaval, trio elétrico… essas coisas. Então, enquanto cantor, não gosto e nem desgosto. Sei, entretanto, que seu estilo ainda tem um público e, certamente, o cantor Ricardo Chaves deve ter seu fá clube e admiradores. Sendo assim, por ser um artista e uma pessoa pública, suas manifestações em redes sociais terminam sendo lidas por muitas pessoas e, com isso, aumenta muito sua responsabilidade.
Pois bem, Ricardo Chaves foi assaltado recentemente e comentou sobre o fato em sua página de Facebook. Em meio ao discurso clamando por segurança e lamentos pelo relógio e telefone celular roubados, o cantor reclamou das consequências de uma suposta ação policial, ou mesmo sua, que terminasse na morte dos assaltantes e do comportamento dos defensores dos direitos humanos. Não acreditei muito no que li e fui conferir na página do cantor no Facebook (ricardochavesoficial) para ter certeza.
Aqui, copio e colo dois parágrafos do seu desabafo:
“Caso a polícia tivesse chegado e disparado contra eles, os mesmos passariam de criminosos a vítimas. Se fossem presos e tomassem umas porradas, logo apareceriam entidades de direitos humanos prontas para defendê-los. Advogados atuariam gratuitamente e logo esses “cidadãos” estariam de volta às ruas, dirigindo as suas motos e efetuando o seus “trabalhos”.
Em um outro cenário, se eu fosse um exímio atirador, legalmente portador de uma arma e, em uma cena de cinema, sacasse minha arma e abatesse os três “cidadãos”. Teria cometido o crime de, em defesa da minha vida, da do meu filho e da sociedade, ter retirado das ruas pessoas que em nada contribuem para o seu bem. Para me defender teria de gastar muito dinheiro para contratar um bom advogado e viveria com a sombra de uma possível condenação.”
É preciso ser um radical na defesa da liberdade e do direito de expressão e ter um estômago muito em ordem para ler tamanho absurdo. Causa nojo, asco e indignação. Ler isso, sobretudo, causa uma sensação de decepção e descrença de que um dia ainda viveremos em um mundo melhor.
Passada a indignação inicial, o sentimento é de que o autor dos comentários, por ser uma pessoa pública e de posses, é muito mais perigoso para a Justiça e para os Direitos Humanos do que os “cidadãos” que lhe assaltaram. Não sei o nível de escolaridade do cantor, sua religião ou seu nível cultural. Sei, de outro elado, que defender que delinquentes comuns deveriam tomar porradas ou mesmo serem “abatidos” e retirados das ruas, sem dúvidas, representa um profundo descaso e perigo para a democracia, para os direitos humanos, para o estado democrático de Direito e, sobretudo, para as relações humanas fundadas na fraternidade e solidariedade.
Não tenho dúvidas, por fim, que o cantor Ricardo Chaves representa muito mais perigo para a construção de um mundo melhor do que três delinquentes comuns que lhe levaram, sob ameaças, relógio e celular. Como disse no início, não conheço suas músicas e, depois de conhecer seu pensamento sobre o problema da violência urbana, afirmo com certeza absoluta que nunca ouvi e não gostei de suas músicas.
* Juiz de Direito (Ba), membro da coordenação estadual da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e Porta-voz no Brasil do movimento Agentes da Lei Contra a Proibição (Leap-Brasil).