Como mais um capítulo da nada republicana relação entre Congresso Nacional vs Poder Executivo, está em tramitação a PEC do orçamento impositivo, já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, com chances reais de sê-lo em segundo, donde seguirá para o Senado, sendo quase certo que ali também será referendada.
Para melhor esclarecer o que nos espera, vamos ao começo de tudo, isto é, as chamadas Emendas parlamentares.
Pelo sistema de freios e contrapesos em que se assenta o Estado Brasileiro, os governos só podem realizar despesas previstas nos seus Orçamentos. Estes, por sua vez, são aprovados pelas Casas Legislativas, através das denominadas Leis de Meios.
A grosso modo, a coisa funciona assim: primeiro aprova-se a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a qual estabelece as linhas gerais da futura proposta orçamentária. Em segundo passo, o Poder Executivo encaminha ao Legislativo a proposta do orçamento, onde são detalhadas as fontes de receitas e onde serão gastos os recursos públicos e os valores para cada despesa. No Legislativo, aquela proposta sofre diversas emendas, havendo as individuais e as de bancada, que vem a ser a indicação pelo Parlamentar de como o Governo vai gastar o nosso rico dinheirinho.
Do ponto de vista político, a emenda parlamentar ao orçamento é justificada pelo fato de que, estando em contato direto com as suas regiões de origem, os Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores têm melhor condição para aquilatar as necessidades das populações que os técnicos dos governos. Porém, na prática, essa nobre justificativa revela um grande conto do vigário, ou, melhor dizendo, de vigaristas.
O orçamento é uma peça autorizativa. Assim, os governantes não estão obrigados a executar todas as despesas ali previstas, o que, de certo modo, se justifica, eis que se as receitas não se concretizam tal como esperado, a decisão quanto aos gastos tem que passar por diversos juízos de conveniência.
Só que a conveniência aqui está mais para o rei do que para o real. E aí começa a promiscuidade do jogo político. O Poder Executivo sempre tratou o Legislativo como um poder menor e, nos Legislativos, sempre preponderou maiorias que se esmeram pela subserviência. E sem nenhuma desfaçatez tanto Governos quanto congressistas revelam que o preço da docilidade é apenas as emendas parlamentares.
Sempre que a temperatura sobe no Parlamento, o Governo anuncia a liberação de emendas parlamentares e aí se restaura a harmônica convivência. Com a PEC do orçamento impositivo prenuncia-se uma alteração no jogo, visto que as despesas derivadas das emendas parlamentares terão que ser obrigatoriamente realizadas. Com isto, o Executivo perderá um precioso cabresto institucional, posto que, a priori, afirma-se a autonomia e independência do Poder Legislativo. Doravante, obra indicada por Deputado ou Senador conta com a quase certeza de sua realização.
E quem foi que disse que o papel institucional dos Deputados e dos Senadores é o de agenciador de obras? Mas, através das malsinadas emendas, é nisto em que eles se converteram, deixando para plano secundário sua missão de criar leis e de fiscalizar os atos do Poder Executivo. Hoje, o bom Congressista é aquele que traz obras para as suas bases eleitorais.
Um olhar atento para a história mostra o que há de podre nisto tudo. Quem não se lembra dos anões do orçamento? E as máfias das ambulâncias e dos sanguessugas?
Se a PEC do orçamento impositivo vai dar maior institucionalidade à relação Executivo VS Legislativo, isto ainda é uma incógnita, mas é certo que, sabendo-se diante mão que as Emendas Parlamentares serão obrigatoriamente executadas, o valor de cada congressista subirá muito junto às empreiteiras, afinal, uma emenda ao orçamento passa a ser fonte certa de futura contratação. Fazendo uma releitura do dito popular: diz-me com quem andas e eu te direi quem és, podemos dizer assim: diz-me quem te apóia então eu saberei quem és. Olhando o que há por trás desta proposta, vemos que o buraco é mais embaixo. E sabe de quem é o buraco?
MARIO LIMA – ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO