O juiz Luís Roberto Cappio, que ficou conhecido após julgar favorável o retorno das crianças adotadas em Monte Santo, no sertão baiano, retornou aos trabalhos nesta segunda-feira (21) após seis meses de suspensão. Cappio atende na comarca de Euclides da Cunha, a cerca de 300 km de Salvador.
De acordo com as informações do magistrado, ele ainda responde por dois processos administrativos: acusação de descortesia com os serventuários, advogados e promotores das comarcas de Euclides da Cunha e Monte Santo; e baixa produtividade.
O prazo da suspensão terminou oficialmente no dia 15 de outubro, mas somente nesta segunda o juiz retornou ao trabalho. “Estou muito motivado, estou convicto de que eu vou trabalhar agora com o apoio dos serventuários, no meu cartório, e nós vamos então desenvolver seguramente um trabalho inédito na comarca. Já percebi neles a mesma motivação e a disposição de trabalhar em equipe” o juiz.
O Tribunal de Justiça da Bahia foi procurado para comentar a volta aos trabalhos do magistrado, mas não havia se pronunciado até o fechamento desta matéria.
Prorrogação
Em julgamento realizado em abril, foi prorrogado por mais 90 dias o afastamento do juiz Luis Roberto Cappio. Durante o julgamento, também foi decidida a abertura de um processo administrativo.
Entre os argumentos citados contra o magistrado, foram abordadas as questões: “não especificação dos documentos a que se refere”, “comprovada a baixa produtividade e remarcação injustificada de audiência” e “reflexo negativo do Poder Judiciário”.
Cappio já tinha sido afastado cauterlamente por unanimidade, durante 90 dias, em 17 de abril deste ano, prazo que expirou em julho. O pedido de afastamento foi feito pelo procurador-geral adjunto do MP-BA, Rômulo Moreira, com os argumentos de que houve “indisposição” do juiz com os três promotores da comarca de Monte Santo, com serventuários da Justiça e com delegado de polícia. Além disso, ainda defendeu para a Justiça a “baixa produtividade” do magistrado.
Em abril, em entrevista ao G1, o corregedor Antônio Cardoso disse que a medida cautelar foi tomada com base em “problemas de relacionamento” e na quantidade considerada baixa de sentenças proferidas por ele na Vara Crime de Euclides da Cunha.
Defesa
O juiz revisou os processos de adoções na cidade do interior baiano e apontou irregulariades, o que motivou as decisões favoráveis à família baiana. As crianças foram retiradas da cidade no mês de junho de 2011, por ordem do juiz Vitor Bizerra.
À CPI do Tráfico de Pessoas, Vitor Bizerra alegou que, para a concessão, se embasou em relatórios do Conselho Tutelar e do Ministério Público do estado. Por denúncias de insegurança, a dona de casa Silvânia da Silva deixou a cidade de Monte Santo no mês de maio com seus seis filhos, cinco deles envolvidos no processo de adoção.
Sobre o afastamento, Cappio afirmou que simboliza o início de uma “guerra” e avaliou que os desembargadores do TJ-BA foram conduzidos ao erro pela argumentação do MP-BA. “Não se afasta um magistrado dessa forma. Não vou deixar de me defender. As pessoas que estão por trás disso vão ter que responder civil e criminalmente. É absurso e inadimissível”, disse, à época, o juiz.
Cappio acredita que a decisão do TJ-BA foi baseada em provas forjadas do MP-BA, entre elas, versões deturpadas da discussão que travou com um promotor, que, segundo ele, é suspeito de envolvimento com o tráfico de pessoas. “Muito me desagrada essa postura solidária a todos os suspeitos. Foi uma discussão, evidentemente, sem ofendê-lo. Eu falei com muita veemência o que eu pensava. Eles distorceram todos esses fatos e apresentaram isso ao Pleno do Tribunal, que foi induzido ao erro. Faz parte do jogo. Eu confio na seriedade do TJ. É algo absolutamente contornável com muito equilíbrio e confiança. Até já esperava que isso pudesse acontecer, eu estou lidando com uma quadrilha, uma organização criminosa”, afirmou.
Tráfico de pessoas
Para Cappio, Monte Santo e Euclides da Cunha, onde mora atualmente, fazem parte de uma rota de tráfico de pessoas, entre elas, de crianças. “Tenho certeza absoluta, não só eu, como autoridades federais, membros da CPI. Essas cidades estão no roteiro do tráfico de pessoas, de adoções irregulares, e o judiciário é usado para fins ilícitos. Estamos falando de vidas de crianças indefesas que estão sendo coisificadas, não são tratadas como sujeitos. É preciso acompanhar mais de perto. Bastou um juiz enfrentar com destemor esses agentes públicos para ser afastado cautelarmente, o que dá veracidade ao que eu acabo de afirmar. Isso é inadimissível”, avaliou.
O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que apura os casos de tráfico de pessoas no país, Arnaldo Jordy (PPS-PA), disse estar convicto que Monte Santo e Euclides da Cunha são rotas do crime. “Há uma rede criminosa de tráfico de crianças para fins de adoção ilegal. O que estamos ultimando é a extensão dessa rede e os personagens”, diz, em entrevista ao G1.
O parlamentar afirma que há indícios de benevolência de membros do judiciário no processo. “A capa legal dessa rota do crime organizado conta com a cumplicidade da estrutura da organização judiciária da Bahia. Tem uma postura estranha envolvendo cartórios, fóruns, pessoas”, comenta. A atuação dos juizes na adoção irregular na Bahia é investigada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Com informações do G1 BA*