Hoje não encontro versos ou canções. Definitivamente, hoje não tem frevo. E o que me seca a pena é a contradição entre o resultado de duas pesquisas divulgadas nesta semana.
O DATAFOLHA revelou que 73% dos seus entrevistados são contra a tortura e 64% entende que os direitos humanos são para todos. Maravilha! Pêra La! Já o IPEA noticia que, para 65% da população, as mulheres que usam vestes provocantes merecem ser estupradas. Durma em paz diante desses dados.
A partir da metáfora bíblica sobre o pecado original, a genitália feminina tornou-se o recesso de múltiplas sensações. Quem com mais de quarenta nunca ouvira dos antigos sobre moça que deu passo em falso: aquela não é mais nada? Quem nunca ouviu insinuações sobre rápida ascensão de uma mulher, especialmente se muy hermosa: será que está dando?
Desde que o mundo é mundo, sexo sempre se confunde com poder, negócios, etc, em maior ou menor grau. Não fosse isto uma verdade, aquela idiotice do Big-Brother Brasil não estaria em sua 14ª edição. Sempre que alguma jovem e formosa mulher desponta em algum episódio, principalmente, escandaloso, vem logo o suspense: será que vai posar nua? Muitas vezes não posa, mas não faltam convites.
A sensualidade sempre fez parte do imaginário humano. E tem influenciado as manifestações artísticas e culturais de todos os povos e em todos os tempos. Por isto, não estamos nos fins dos tempos. Lógico que a revolução sexual trouxe a luz aquilo que sempre esteve latente. E a mercantilização do corpo (não por aquele que é o mais antigo dos ofícios), exacerbou a exposição das formas, no que não temo em dizer: vulgarização.
Todo excesso deve ser ponderado. Uma mulher que exibe demasiadamente o seu corpo, conquanto agrade a uns olhos, afronta o senso comum de comportamento, sobretudo se tal espetáculo se dá em ambientes para os quais se recomenda o recato. E então o que fazer?
O tema é complexo, pois todos temos direito ao próprio corpo e a sua imagem. E todos tem o direito de manifestação, que também pode se dar pelo corpo. Seguramente a questão é complicada na medida em que envolve o equilíbrio entre individualidade e valores médios da sociedade.
E se a meta é um ponto de equilíbrio, então o que não se pode admitir é a elevação do estupro de crime bárbaro a condição de moderador comportamental. O sujeito que estupra apenas dá vazão à libido da forma mais animalesca possível. Portanto não dar para entender a lógica que está por trás do que revelou a pesquisa do IPEA. Se sua vítima é uma freira, repugna toda a sociedade, mas se em lugar, a estuprada é uma mulher por assim dizer “indecente”, então pode contar com o lenitivo de que fora provocado por sua vítima?
Onde ficam os direitos daquela que nos arvoramos a rotular de indecente? Para onde foram aqueles que repudiam a tortura? É a estúpida banalização da maldade. E aqui mais uma vez a mulher é reduzida a perspectiva sexual, só que agora como vaso expiatório dos castigos, justa ela que em outra face fora a “chave das felicidades”.
Algumas vezes me pergunto se a metáfora da criação de Eva a partir de uma costela de Adão não seria a fonte desta visão subjugadora da mulher. Se isto é verdade ou não, ignoro. O que sei é que, quando todo um cérebro social formula sua ética em torno do comportamento sexual das mulheres,os conceitos que emergem desta cultura vaginocéfola são absolutamente incivilizados e, em tal contexto, não tem frevo, mas gente que passa com medo!
MARIO LIMA
ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO DA BAHIA