A Articulação Popular São Francisco Vivo – SFVivo, que congrega cerca de 300 organizações populares e movimentos sociais na defesa do Rio São Francisco, vem a público contestar os dados sobre realizações do Projeto de Revitalização do São Francisco divulgados recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), e exigir comprovações das afirmações feitas e transparência nas dotações orçamentárias e ações governamentais. Os anúncios são muito mais peças publicitárias do que prestação de contas, e evidenciam a política de “faz de conta” que tem norteado a atuação do governo federal em resposta à cobrança de revitalização feita pela sociedade. O projeto governamental quase nada mudou nestes anos, continua setorial e desconexo, longe das causas estruturais dos processos de degradação socioambiental da Bacia, que ao contrário de refluir, estão a se intensificar, comprometendo uma possível e real revitalização.
As ações de fato iniciadas – como “moeda de troca” do projeto de Transposição de Águas do São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional – estão longe dos R$ 6,4 bilhões de investimentos divulgados pelo MMA em matéria postada no site do IBAMA, no dia 5 de outubro, intitulada “Revitalização do São Francisco já soma R$ 6,4 bilhões”. A inflação das cifras fica evidente quando o vultoso número é destrinchado ao longo do texto. Dos R$ 6,4 bilhões propalados, orçados nos Planos Plurianuais entre 2004 e 2015, apenas R$ 1,4 bilhões correspondem às ações concluídas. R$ 3 bilhões estão supostamente sendo gastos com as obras em andamento e os R$ 2 bilhões restantes seriam para iniciativas programadas.
Reiteramos aqui o que afirmamos no documento “Revitalização x Transposição: o dilema do São Francisco continua”, que a SFVivo lançou no último 4 de outubro. Como “abertura” à participação da sociedade, o Ministério da Integração coletou mais de 300 propostas para a revitalização, a maioria das quais descartada por serem consideradas inexeqüíveis ou não contemplarem os marcos legais… Culpa da sociedade? “A título de Programa de Revitalização do Rio São Francisco – PRSF foram incluídas todas as ações possíveis do governo federal, de vários setores, muitas em parcerias com os governos estaduais da Bacia, de modo a inflar os números, parecer menos discrepante com a transposição. E não há transparência, não se tem como saber muito menos acompanhar o andamento das ações.”
Torturados, os números publicitam uma imagem que não corresponde à realidade. Para aqueles que moram próximos de onde as obras estão ou estariam sendo realizadas, as cifras são mais magras e o descontentamento mais corpulento. Na fiscalização das obras feita na cidade de Juazeiro e divulgada no citado documento da SFVivo, são denunciadas as falhas na implementação da rede de esgoto. Membros da SFVivo seguindo o “caminho do esgoto” flagraram dejetos a céu aberto onde deveriam estar canalizados e tratados, mas continuam sendo despejados diretamente no rio.
O “campo de provas” para contenção de barrancos e favorecimento da navegação, inaugurado na cidade de Barra (BA), pelo presidente Lula, em outubro de 2009, jaz incompleto e abandonado, como prova das falácias de uma revitalização que não acontece.
Centrado na qualidade da água, ignorando a quantidade, o programa não vai além do esgotamento sanitário malfeito e sob suspeitas de superfaturamento. O programa está longe de atacar as principais causas da morte do Velho Chico. A diminuição do volume de água em 35% nos últimos 56 anos, entre 1948 e 2004 – dados do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR – Colorado / EUA) –, é causada, sobretudo, pelo desmatamento e pelo sobreuso da água na irrigação e nos empreendimentos do agronegócio.
A Companhia de Desenvolvimento do Vale São Francisco e Parnaíba – CODEVASF, a autarquia que divide com a Cia. Hidrelétrica do São Francisco – CHESF o controle do rio, é quem protagoniza essa política imutável de perímetros irrigados, rançosa de uma visão ultrapassada de desenvolvimento. O Superintendente Adjunto da 2ª SR, Sérgio Coelho, declarou em Audiência Pública realizada em Santa Maria da Vitória – BA, em maio desse ano, que “perímetros de irrigação são a revitalização social do rio São Francisco”. Tudo continua reduzido a negócios e lucros, com um mínimo de compensação não muito custosa de impactos sociais e ambientais.
O cinismo dos órgãos governamentais se mostra também no nome “São Francisco Vive” de nós “emprestado” para intitular, no dia 4 de outubro, shows de música e outros eventos de divulgação de sua pseudo-revitalização e convocar o povo a participar do Projeto de Revitalização como catadores de lixo a beira do rio… O povo sanfranciscano – maior riqueza do rio – merece e exige diálogo honesto e transparência nas ações. Acreditamos que há esperança, e ela vem do povo unido e organizado, propositivo e proativo; como neste 510º 4 de outubro, demonstrou em várias formas de dar a quem tanto ofereceu o “gole d’água” de sua luta pelo São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!
Articulação Popular São Francisco Vivo – SFVivo.