Uma carta que critica – e fica parecendo piada da Almanaque Biotônico Fontoura ou história do Jeca Tatu – a política ambientalista nacional, percorre a internet e já sofre até adaptação. Quem me enviou foi o cronista e fotógrafo Cláudio Niederauer, correspondente em Porto Alegre do portal Notícia Capital, já tendo sido passado, digamos, de “mão em mão”.
O documento seria uma adaptação de uma carta escrita por Luciano Pizzatto, engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, detentor do Prêmio Nacional de Ecologia. Passo para vocês a carta dele para um amigo:
“Prezado Luis, quanto tempo.
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né?
O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão, por isso o sapato sujava.
Lembra do Zé Cochilo… hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro de uma tal de APA que criaram aqui na vizinhança.
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana aí não param de fazer leite.
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa dele. Agora ele tá desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelos fiscais e pelas leis. Outro dia foi preso e não apareceu fiscal do trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu, eu e Marina tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas.
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!.
Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa. Fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis, passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi a árvore seca.
Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
PS: Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado, pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.”
O documento seria uma adaptação de uma carta escrita por Luciano Pizzatto, engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, detentor do Prêmio Nacional de Ecologia. Passo para vocês a carta dele para um amigo:
“Prezado Luis, quanto tempo.
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né?
O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão, por isso o sapato sujava.
Lembra do Zé Cochilo… hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro de uma tal de APA que criaram aqui na vizinhança.
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana aí não param de fazer leite.
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa dele. Agora ele tá desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelos fiscais e pelas leis. Outro dia foi preso e não apareceu fiscal do trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu, eu e Marina tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas.
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!.
Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa. Fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis, passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi a árvore seca.
Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
PS: Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado, pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.”
NR: Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros