Chaves foi um memorável personagem criado por Roberto Gómez Bolaños. Mas não foi apenas isso. Chaves marcou a infância de milhões de pessoas por todo o globo terrestre. Sua história, engendrada nas especificidades da vida latino-americana, não teria outro roteiro senão a vida de um menino de rua fadado aos sonhos mais simples. Chaves faz sucesso ainda hoje porque ainda hoje existem meninos de rua, espalhados pelas vilas e calçadas do mundo, sonhadores, embora cerceados deste direito.
O humor de Bolaños talvez tenha representado o entorpecente ideal para discutir socialmente um mal que afeta os países sul-americanos e o próprio México. Com uma pitada de irreverência e até mesmo inocência era possível discutir a fome, a orfandade, a falta de um lar, os estigmas mais diversos sobre o personagem Chaves. É preciso pensar que a sociedade não tem se preocupado muito com os menores abandonados, embora tenham sido realizados alguns avanços desta problemática.
Mas a genialidade Roberto Gómez Bolaños não esteve presente somente na criação do personagem, mas em toda configuração do roteiro do seriado. O personagem Chaves necessitava de um enredo cujos personagens secundários desempenhassem um enlace direto à sua história. De modo que é possível afirmar: não haveria Chaves se não houvesse o Quico, a Chiquinha ou o Seu Madruga. Estes e os outros personagens configuram o status social do protagonista. Para o Chaves ser menino de rua, que brinca com caixa de sapato e garrafas, deveria existir um Quico, mimado, cheio de presentes e brinquedos.
Chaves se diferencia de todos os outros personagens criados por Bolaños. Mas todos eles têm um caráter específico destinado à análise sociológica, afinal são personagens com algum grau de envolvimento com a sociedade ou com outros sujeitos sociais. Enrique Segoviano, produtor e diretor de Chaves e Chapolin Colorado, tem sua parcela de responsabilidade na construção dos seriados. Cabe dizer que vários fatores confluíram para o alcance do sucesso que foi Chaves. Mas é sempre importante reforçar que a história do menino de rua alegre e sonhador, apesar das adversidades, é o que transformou um roteiro previsível numa superprodução da TV mexicana.
Fãs espalhado pelo mundo inteiro lamentam a morte de ‘Chespirito’; perde-se um artista na acepção da palavra. Um sujeito que sabia atuar, escrever, dirigir, produzir e fazer humor. É possível pensar que pessoas dessa envergadura costumam nascer de mil em mil anos, de modo que a vaga esperança em ver outro Bolaños só não é mais desesperadora porque o temos em nossas memórias eletrônicas e biológicas. E cabe a nós salvaguardar este legado para as próximas gerações.
Cresci assistindo o Chaves. E quem não assistiu? Em certo período, onde as informações não eram compartilhadas com a facilidade de hoje, imaginava que nenhum dos atores fosse vivo. Depois descobri que apenas Ramón Valdés (Seu madruga) e Angelines Fernández (Dona Clotilde) não eram mais vivos. Acompanhei nos últimos tempos a empreitada de Bolaños no Twitter, mas a saúde fragilizada impedia sua proximidade com o público. A verdade é que os homens nasceram para deixar um legado. E se o legado permanece aos que ficam, trabalho cumprido. Obrigado ‘Chespirito’!