Uma dor de cabeça, uma noite de tosse, uma febre repentina. Esses e outros motivos corriqueiros levam muitas pessoas a buscarem medicamentos que não exigem receita para solucionar tais incômodos. A ideia é aliviar sintomas de maneira prática e rápida. Mas, se ingeridos de forma errada, esses remédios, que seriam uma solução, podem trazer sérios problemas para a saúde dos pacientes.
O acompanhamento de um médico, principalmente em relação à dosagem, continua a ser necessário, conforme afirma Paulo Picon, consultor do comitê de medicamentos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Ele defende uma limitação legal para a venda desses produtos, mesmo ela sendo uma maneira de reduzir filas e a sobrecarga de profissionais em um sistema de saúde saturado.
— A recomendação é usá-los com moderação. O paciente nunca deve tomar este tipo de remédio por mais de dois dias sem orientação médica. Deve usar a menor quantidade possível, para aliviar uma dor e não para ficar repetindo o seu uso.
Picon, que é cardiologista, explica de que maneira a comercialização livre pode gerar graves complicações, também alimentadas por uma leitura ineficiente da bula e de recomendações de uso. Segundo ele, o famoso paracetamol (Tylenol, Trimedal, Sonridor, entre outros), comprimido de 750 mg, pode ser eficiente se tomado na dose certa. Mas, com uma dosagem um pouco maior, já se torna perigoso.
— 1,5g equivale a dois comprimidos. A ingestão de 7g do paracetamol, o que não é muito mais do que isso, pode gerar necrose hepática, uma doença gravíssima do fígado.
Em relação à dipirona (Doril, Novalgina, Anador, Neosaldina e Dorflex, entre outros), Picon ressalta que o uso sem receita não é permitido em vários países da Europa e nos Estados Unidos, por causa do risco, extremamente raro, de causar anemina aplástica, a forma mais grave das anemias, independentemente da dose.
— É um fenômeno que atinge um entre 50 mil, mas pode levar à morte, a medula óssea para de fabricar células vermelhas e brancas. Alguns países foram bastante criteriosos. Mas em outros, como o Brasil, se compra dipirona em qualquer farmácia e sem limite de quantidade.
Limitação nas vendas
Há ainda riscos consideráveis com o uso indevido de antiácidos e laxantes, de acordo com a explicação de Picon.
— Antiácidos em excesso podem causar cálculos renais. Quase 85% da população tem azia e é muito comum o uso desse produto. Com utilização inadequada de laxantes, o intestino se acomoda e não funciona naturalmente, causando uma espécie de dependência para que ocorra o funcionamento.
Por tudo isso, ele considera que deveria haver uma limitação na venda de qualquer tipo de medicamento, citando o exemplo de países europeus.
— Na Europa, se pode comprar anti-inflamatórios em quantidades pequenas, 10, 12, 14 comprimidos por pessoa. Depois disso, a farmácia não pode vender. É papel da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) controlar, mas ela deveria também limitar o número de comprimidos por comprador. Se libera, o uso é sem critério.
Ao site do Senado federal, o clínico geral Alfredo Salim Helito, do Hospital Sírio-Libanês, diz que esse tipo de automedicação também é prejudicial para o controle e tratamento dos efeitos colaterais.
— (O paciente) não saberá quais as atitudes a serem tomadas para conter o problema. Por isso, a necessidade do médico. É ele quem tem condições de orientar o paciente quanto a todas essas questões. Além disso, se automedicar subentende-se se autodiagnosticar, o que também é um problema.
Compensações e perdas
Desde 1972, quando a FDA, agência americana responsável pelo controle da alimentação, começou a listar esse tipo de produto, mais de 300 mil remédios passaram a ser comercializados nas farmácias dos Estados Unidos. Os medicamentos isentos de receita podem compensar por um lado o custo da Saúde para os governos.
Uma estatística divulgada pelo The New York Times mostra que, em 2014, R$ 177 bilhões (US$ 44 bilhões) foram gastos pelos consumidores americanos neste produto. Isso proporcionou uma economia de algo perto de R$ 410 bilhões (US$ 102 bilhões) a Saúde no país.
Mas, por outro lado, se o uso inadequado levar a outras doenças, irá aumentar esse custo. A Abifarma (Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas) informa que, a cada ano, cerca de 20 mil pessoas morrem, no Brasil, vítimas da automedicação, em que estão incluídos os fármacos isentos de receita, como colírios e descongestionantes.
Já em pesquisa do Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), da Fundação Oswaldo Cruz, os medicamentos são a causa de 28% de todas as notificações de intoxicação. Quando isso ocorre, Helito faz um alerta.
— A quantidade e variedade de problemas que podem resultar da intoxicação por medicamentos é tão grande que o único conselho apropriado é procurar imediatamente um médico ou um pronto-socorro. Quando o medicamento é prescrito pelo médico, o mesmo orienta o paciente a respeito dos possíveis sintomas da intoxicação pelo medicamento e o que fazer caso eles ocorram.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), o número de farmácias ideal em um país é o de uma a cada 8.000 habitantes. No Brasil, há pelo menos uma para cada três mil, além das ofertas de medicamentos em feiras livres e pela internet.
Um número acima de 12 mil substâncias está disponível no mercado brasileiro, espalhadas em 32 mil rótulos de remédios. A OMS recomenda um limite de 300 rótulos ou 6.000 substâncias como a quantidade média suficiente para lidar com as doenças da população, em cada país.
R7.com