O Senado aprovou ontem, em segundo turno, a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece um limite para o crescimento de gastos públicos (veja detalhes abaixo). Na sessão, os senadores derrubaram um destaque ao texto original que pedia a exclusão do cálculo do valor do salário mínimo da nova regra. Assim, a partir do ano que vem, não está garantido que o salário mínimo tenha ganho acima da inflação – pelas próximas duas décadas. A reprovação do destaque acabou sendo a parte mais visível do que será a vida dos brasileiros a partir do próximo ano, já que o orçamento de 2017 já foi construído pelo Executivo com base na emenda constitucional.
Se por um lado o reajuste real do mínimo não tem garantia de que vai acontecer, por outro, a probabilidade de o governo conseguir controlar o crescimento da dívida pública aumentou. O que representa uma melhora no ambiente de negócios, pois aumenta a confiança dos investidores, mais seguros na capacidade do governo pagar suas dívidas.
No cenário criado pela nova lei, a iniciativa privada terá protagonismo. A medida terá impacto imediato na capacidade de investimento do governo. Que, por isso, busca implementar um programa de parceria com as empresas em projetos na área de infraestrutura. Para isto, dialoga com empresários para garantir a rentabilidade para os investimentos realizados. O crescimento das empresas, na visão do governo, vai gerar mais empregos. Porém, atacam os críticos, a diminuição do tamanho do estado pode afetar a qualidade e a capacidade de atendimento à população pelos serviços públicos.
Servidores e concursos
A partir do ano que vem também será mais difícil para os servidores públicos conseguirem ganhos salariais acima da inflação. Bem como a realização de concursos públicos para contratar novos funcionários. O governo defende que os empregos surgirão nas empresas, que vão investir mais, contratando mais trabalhadores. O teto dos gastos, complementado pela reforma da Previdência, ao estabilizar o crescimento da dívida pública, vai ajudar para reduzir os juros. O maior acesso a empréstimos com juros mais baixos estimula o investimento das empresas, aquecendo a economia.
E o ciclo virtuoso vai continuar, com a medida ajudando o Brasil a reaver o grau de investimento atestado pelas agências de classificação de risco. O grau de investimento é uma espécie de selo de bom pagador atribuído ao país e com ele á mais fácil atrair investimento, sobretudo aquele ligado ao setor produtivo, que gera emprego e divisas. Sem o atestado de bom pagador, o país tem de oferecer juros mais altos, já que o risco de o investidor não reaver o dinheiro aplicado é maior. Uma situação que atrai mais o capital especulativo, aquele que não circula na economia, apenas interessado no lucro rápido proporcionado pelos juros mais altos.
Entenda o teto dos gastos públicos:
O que é
Trata-se de uma medida que limita o crescimento dos gastos públicos federais ao mesmo percentual da inflação oficial do país (IPCA) do ano anterior. A lei terá validade por 20 anos, podendo ser revista a partir do décimo ano de vigência
Principais argumentos a favor
Desde a Constituição de 1988, batizada de Cidadã, o gasto público cresce anualmente acima da inflação, o que tem levado a dívida pública a uma trajetória insustentável. Controlar a evolução do gasto faz-se necessário para dar sustentabilidade e estabilizar a dívida pública, aumentando a probabilidade de as gestões produzirem superávits primários, que é a economia feita pelo governo para pagar os juros da dívida
O controle dos gastos do governo também é apontado como passo essencial para o Brasil retomar o selo de bom pagador dado pelas agências de classificação de riscos de crédito. Estas agências, com base na relação dívida/PIB, analisam a capacidade dos países de pagar suas dívidas. O selo de bom pagador, por sua vez, facilita a entrada de capital externo no país, principalmente o produtivo. Sem o selo de bom pagador, o capital atraído é basicamente de caráter especulativo
A aprovação da medida é vista, ainda, como necessária para aumentar a confiança de investidores nacionais e internacionais, já que a capacidade de pagamento do governo estaria assegurada, garantindo a estabilidade econômica do país
Principais argumentos contrários
A lei congela a despesa pública, com efeitos no curto prazo sobre os investimentos, que vão ficar sem aumento real (acima da inflação)
A tendência é que a medida prejudique as áreas sociais, principalmente saúde e educação
Outra tendência é que o Estado perca capacidade de investimento e torne-se refém da iniciativa privada, que deste modo terá mais poder para definir preços de pedágios de uma rodovia, por exemplo, prejudicando consumidores
A lei é inconstitucional, pois interfere na autonomia orçamentária de outros poderes da República, criando um superpoder Executivo
A medida não impede que a dívida pública continue crescendo
A nova lei não prevê um cenário em que o país volte a crescer e a relação dívida/PIB caia mais rápido, diminuindo a necessidade de cortar gastos, principalmente dos investimentos. Não há no texto resposta para o que fazer com o dinheiro de um provável crescimento da arrecadação, o que deixa margem para que superávits crescentes sejam usados apenas para o pagamento dos juros da dívida
Contra-argumento do governo
O limite de crescimento dos gastos não é por área, e sim do valor global do orçamento. Assim, há a liberdade de aumentar os gastos com saúde, por exemplo, desde que o mesmo valor deste aumento seja cortado de outras áreas para garantir o teto orçamentário do ano, além disso , no primeiro ano haverá aumento dos gastos de saúde e educação
O Estado brasileiro nunca teve capacidade de atender todas as necessidades de investimentos do país. O que se busca é a construção de parcerias com a iniciativa privada em projetos de interesse do Estado, com menos intervenção, regulação mais sólida e garantia de rentabilidade para os investidores desses projetos.
Não há interferência em outros poderes, pois eles continuarão a ter independência para manejar seus orçamentos. Eles só terão de, ao mesmo modo do Executivo, obedecer o limite global. O argumento de inconstitucionalidade cai porque houve uma mudança na Constituição. Depois, quem aprova o orçamento é o Legislativo e não o Executivo
A reforma da Previdência é uma medida complementar à do teto dos gastos públicos e as duas juntas vão dar sustentabilidade à dívida pública.
Principais consequências
O salário mínimo, por exemplo, terá dificuldades de ter aumentos reais (acima da inflação)
Reajustes salariais acima da inflação também ficarão mais difíceis de serem obtidos pelos servidores federais
A contratação de novos servidores por concurso público também ficará mais restrita.
Correio