Dois ex-colaboradores do químico Gilberto Chierice estão anunciando a venda online de fosfoetanolamina sintética, na forma de suplemento alimentar. A substância, que ficou conhecida no Brasil como “pílula do câncer”, está sendo produzida na Flórida (EUA) e será comercializada via e-commerce para o resto do mundo a partir de 16 de março.
A propaganda do produto não diz nada sobre tratamento do câncer, apesar de ser este o grande apelo comercial da fosfoetanolamina no Brasil. Nem poderia, pois neste caso teria de se enquadrar na regulamentação de medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e não há até agora nenhuma comprovação científica de que a substância funcione, de fato, no combate ao câncer.
O site criado pela empresa Quality Medical Line para comercializar o produto diz que a fosfoetanolamina atua como “um poderoso bio imunomodulador que age de forma constante e preventiva a distúrbios metabólicos e celulares, mantendo o equilíbrio e o bom funcionamento do sistema imune e da saúde humana”. Um dos anúncios colocados pela empresa no Facebook, porém, mostra uma mulher careca com a frase “Não desista!” – uma imagem que remete ao câncer.
A produção e comercialização da fosfoetanolamina sintética como droga anticâncer chegou a ser autorizada no Brasil, em abril de 2016, por um projeto de lei aprovado no Congresso e sancionado pela então presidente Dilma Rousseff, sob forte pressão política e popular. Mas a lei foi suspensa no mês seguinte por uma decisão do Superior Tribunal Federal (STF), por falta de evidências científicas da sua eficácia. Estudos realizados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação indicam que a fosfo não é tóxica, mas não encontraram nenhum efeito antitumoral na substância.
Os responsáveis pelo novo produto no Brasil são o biotecnólogo Marcos Vinícius de Almeida e o médico Renato Meneguelo, que colaboraram com o químico Gilberto Chierice no desenvolvimento inicial da fosfoetanolamina sintética, no Instituto de Química da USP em São Carlos, mas recentemente se separaram do professor – considerado o “pai” da substância.
Em entrevista, Almeida disse que a substância que está sendo produzida na Flórida é “idêntica” à que era produzida em São Carlos, porém sintetizada por um método diferente, para o qual eles estão solicitando uma patente nos Estados Unidos. “O que muda é o rendimento da síntese e a pureza do sal”, detalhou. Além da fosfoetanolamina, o suplemento contêm cálcio, zinco e magnésio.
Almeida diz que se afastou de Chierice porque ele era veementemente contra a venda da substância na forma de suplemento alimentar, preferindo esperar a conclusão dos testes clínicos – que estão sendo realizados em São Paulo -, para então comercializá-la como medicamento.A reportagem tentou falar com Chierice hoje, mas não o encontrou.
Almeida e Meneguelo também disseram não concordar com a posição de Chierice sobre os efeitos terapêuticos da molécula, quando ele dizia que a fosfoetanolamina pode curar qualquer tipo de câncer. “A gente não está buscando cura, estamos buscando melhorar a qualidade de vida de pacientes terminais”, disse Meneguelo. “Nunca falei para ninguém parar com radioterapia ou quimioterapia.”A ideia de que a fosfoetanolamina pode curar o câncer, segundo Almeida, “é até o momento uma hipótese não confirmada”, que precisa ser validada pelos ensaios clínicos em andamento.
O custo previsto é de R$ 3,80 por cápsula, e Almeida e Meneguelo deverão receber 2,5% disso na forma de royalties. A produção inicial será de 500 mil cápsulas. A produção será feita pela empresa Florida Supplement e distribuída pela Quality Medical Line, via contrato com um laboratório uruguaio chamado Federico Diaz, com o qual a dupla brasileira estabeleceu uma parceria.
Segundo Meneguelo, haveria a possibilidade de produzir a substância como suplemento aqui mesmo no Brasil, mas levaria pelo menos dois anos para cumprir todas as exigências da Anvisa. “Prefiro receber críticas do que ficar assinando atestados de óbito”, disse. Almeida disse que a fosfoetanolamina já é comercializada como suplemento nos EUA há muitos anos, e que o registro do produto nos Estados Unidos seguiu todos os trâmites legais.
Estadão Conteúdo