A participação de mulheres na luta pela Independência do Brasil na Bahia, em 1823, deu destaque a três ícones femininos nas lutas para vencer as tropas portuguesas: Maria Quitéria, Maria Felipa e Joana Angélica. Hoje, quase 200 anos depois, você sabe onde estão os restos mortais delas?
MARIA QUITÉRIA
Conhecida por lutar vestida de homem para ajudar o exército a expulsar as tropas portuguesas da Bahia, Maria Quitéria é um dos destaques na história de lutas. Ela conseguiu sair de casa escondida do pai viúvo e usando a farda que pegou do cunhado.
Por seu ato de bravura e ousadia, ficou conhecida como “soldado Medeiros” e se tornou um dos ícones da Independência do Brasil na Bahia.
Seus restos mortais estão sepultados no ossário da Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento e Sant’Ana, no bairro de Nazaré, em Salvador. A igreja, construída em estilo neoclássico no século XVIII, passou por uma reforma, entre os anos de 2007 e 2017, e o local pode ser visitado das 8h às 12h e das 14h à 17h.
De acordo com o registro da paróquia, Maria Quitéria foi sepultada no local em 21 de agosto de 1853, aos 56 anos. Ela morreu após ser vítima de uma inflamação no fígado.
“O túmulo não está pontualmente localizado, mas existe registro de que ela está enterrada na igreja, que tem um marco, um mármore com a inscrição de Maria Quitéria”, destaca o padre José Abel Pinheiro, pároco do templo.
MARIA FELIPA
Outra lutadora, baiana, negra, natural da Ilha de Itaparica, Maria Felipa comandou cerca de 40 mulheres na luta pela independência do Brasil na Bahia. Segundo relatos históricos, o grupo liderado por ela foi responsável por queimar 42 embarcações portuguesas.
Há também o episódio lendário da surra de cansanção (vegetal que provoca urtiga e sensação de queimadura ao toque com a pele) que Maria Felipa teria dado em homens portugueses. Pouco conhecida e reconhecida na história oficial, Maria Felipa também é destaque nas lutas pela independência do Brasil na Bahia.
Sobre ela, o historiador Eduardo Borges diz que tudo ainda é muito “nebuloso”, por conta das poucas informações concretas de que se tem notícia. Há, no entanto, relato de que seus restos mortais estejam na Igreja do São Lourenço, na Ilha de Itaparica. Ela morreu no dia 4 de julho de 1873.
“Não existe muita documentação em relação à vida dela. Tudo é na base do talvez sim e talvez não. Mas a informação que se tem, o mas próximo de uma verdade, é que ela esteja na Matriz de São Lourenço. Na época, a ilha era conhecida como ‘Povoação de Ponta das Baleias’, por conta da pesca. E tinha essa igreja e, possivelmente, é lá mesmo que ela deve estar enterrada”, destaca.
JOANA ANGÉLICA
Já Joana Angélica, mártir na luta pela independência do Brasil na Bahia e que se destacou pela bravura e coragem ao enfrentar tropas portuguesas dispostas a invadir o Convento da Lapa, localizado no centro da cidade de Salvador, foi enterrada no mesmo local que tentou proteger. O Convento foi construído em 1744 e o local também pode ser visitado.
Soteropolitana, Joana Angélica de Jesus nasceu em Salvador no ano de 1761 e morreu em 1822, assassinada por tropas portuguesas.
“Ela está no mosteiro da Lapa, onde ela justamente veio a falecer. No local, foi criado mausoléu novo, porque antes os restos mortais ficavam na igreja. E os visitantes podem ir na igreja e visitar o mausoléu”, afirma Borges.
As lutas
As batalhas pela independência do Brasil na Bahia duraram um ano e sete dias, entre 25 de junho de 1822 e 2 de julho de 1823. As mulheres desempenharam um papel importante no processo, e muitas se destacaram nas batalhas e na ajuda aos soldados brasileiros.
Segundo o historiador Eduardo Borges, não há uma documentação muito farta sobre Maria Felipa, mas ela possui muita importância na luta pela independência. Há registros de que ela liderou cerca de 200 pessoas, sendo a maioria mulheres — também haviam negros e índios tupinambás.
“Ela teve uma participação muito interessante. Só que muito do que se sabe hoje sobre ela é a partir da história oral. É quase uma grande lenda, ainda que tenha efetivamente existido. A imagem dela, como negra, de turbante, está na internet, mas não se tem uma certeza de nada. Ela ficou famosa justamente pela participação na invasão de Itaparica, onde liderou um grupo de mulheres que defendeu a Ilha”, disse.
Maria Felipa e seu grupo de mulheres seduziram os portugueses, fizeram com que eles ficassem embriagados e depois deram a surra de cansanção neles.
“Depois foi que ela queimou as embarcações deles. Foi uma pequena batalha pontual no dia 7 de janeiro de 1823, na Ilha de Itaparica, mas que resultou em uma queda no número de soldados da tropa portuguesa”, completou o historiador.
A tática da sedução também foi usada por moradoras de Saubara, região que na época pertencia a Santo Amaro da Purificação. Elas se fantasiavam para assustar os soldados e, assim, poder levar comida para os maridos, nos esconderijos onde se alojaram. Por conta disso, ficaram conhecidas como caretas do mingau.
“Os portugueses invadiram a região. Os homens tiveram que fugir, então à noite elas se vestiam de ‘careta’, se fantasiavam de almas, com lençóis, e assustavam os portugueses, que fugiam. Assim, elas conseguiam chegar nos esconderijos onde estavam os maridos e levavam medicamentos, comida e roupas”, acrescentou Borges.
A freira Joana Angélica, por sua vez, se destacou pela coragem ao enfrentar os portugueses.
Ao completar 21 anos, a jovem entrou para o Convento da Lapa e, em 1815, tornou-se abadessa, cargo religioso concedido à superiora de um mosteiro de religiosas. Em 19 de fevereiro de 1822, meses antes do grito do Ipiranga pela independência do Brasil, a tensão entre portugueses e baianos aumentou após o ataque ao Forte de São Pedro, onde estavam alojados os combatentes soteropolitanos.
Nessa mesma data, tropas portuguesas seguiram em direção ao Convento da Lapa em busca de combatentes baianos e encontram a resistência de Joana Angélica, que se coloca à frente do Convento para tentar impedir a invasão. Apesar do ato de bravura, ela foi assassinada pelos portugueses, que entram no templo religioso após o assassinato da religiosa.
“Ela morreu em fevereiro de 1822. Foi a primeira das três mulheres ícones da luta pela independência do Brasil na Bahia a morrer. Uma frase que ficou marcada que ela teria dito antes de ser assassinada foi que eles [os portugueses] só passariam ali por cima do cadáver dela. Esse episódio mostrou a falta de respeito dos portugueses diante de uma casa religiosa e a consagrou com uma mulher que deu a vida pela independência”, afirma o historiador.
Já Maria Quitéria se passou por homem para participar da luta da independência. Ela era filha de pequenos proprietários de terra e ouviu quando líderes do movimento pela independência pediram ao seu pai por voluntários para a guerra.
Na mesma noite, fugiu usando as roupas do cunhado e se alistou no Exército Libertador de Cachoeira. Em fevereiro de 1822, atacou uma trincheira inimiga no local onde hoje é o bairro de Itapuã, em Salvador, e venceu. Teve atuações destacadas também na batalha do Canal do Funil, que separa a Ilha de Itaparica do continente.
Por sua coragem, foi condecorada e reconhecida como patronesse do quadro complementar de oficiais do exército brasileiro
“Ela vestiu a roupa do cunhado e apresentou-se ao Regimento de Artilharia com a ajuda da irmã. Maria Quitéria fugiu de casa e foi para o campo de batalha em uma época em que a mulher não tinha autonomia em qualquer campo de atuação. Participou de várias batalhas em defesa do Brasil e da Bahia. Teve um final de vida muito triste, doente”, diz o historiador. Maria Quitéria morreu em agosto de 1853.
O historiador Eduardo Borges diz que Maria Quitéria, Maria Felipa e Joana Angélica, apesar de lutarem pelo mesmo objetivo, não chegaram a se encontrar, pois lutaram em diferentes frentes, e que, pela importância que tiveram, devem ser sempre lembradas.
“Essas mulheres precisam ser permanentemente lembradas, sobretudo no 2 de Julho, muito também por conta dessa discussão que ainda se tem hoje em torno do papel da mulher, de valorização da figura feminina em um mundo ainda extremamente machista”, destaca.
O Dois de Julho
A história da Independência do Brasil na Bahia começou a ganhar força no início de 1822, com o desejo da Bahia de romper com a coroa, quando o rei de Portugal, D. João VI, tirou o brasileiro Manoel Guimarães do comando de Salvador, colocando em seu lugar o general português Madeira de Melo no cargo. Com isso, ele queria reforçar o poder da Coroa sobre os baianos, mas a população não aceitou pacificamente.
Os baianos foram às ruas para protestar e entraram em confronto com os soldados portugueses. Meses depois, em 12 de junho, a Câmara de Salvador tenta romper com a coroa portuguesa. O general Madeira de Melo coloca as tropas nas ruas e impede a sessão. Dois dias depois, em Santo Amaro, os vereadores declaram D. Pedro o defensor perpétuo do Brasil independente, o que significa não obedecer mais ao rei de Portugal.
No dia 25 de junho é a vez da Vila de Cachoeira romper com a Coroa portuguesa. Outras vilas seguem o exemplo. Cachoeira se torna quartel general das tropas libertadoras.
Canhões de fortes da Baía de Todos-os-Santos foram roubados para armar a improvisada frota de saveiros, que enfrentaram a esquadra de Portugal. Cercados por terra e mar, os portugueses ficam acuados em Salvador. Decidem então abandonar a cidade e fogem por mar, na madrugada do dia 2 de julho de 1823.
Pela manhã, o exército brasileiro entra vitorioso na cidade, marcando a independência do Brasil na Bahia.
CN * Reportagem especial do G1/BA