Bem parecido com o que ocorreu nos anos 1960, este imenso e longo grito negro, clamando por justiça, tem sido ouvido de ponta a ponta dos Estados Unidos. O mundo reverbera. Como a estar gestando uma nova primavera. Desde a semana passada que as populações de Minneapolis, em Minnesota, Chicago, Nova Iorque e mais duas dezenas, ocupam as ruas sem dará mínima para o toque de recolher, em protesto contra o assassinato de George Floyd, um negro que morreu asfixiado em uma abordagem policial no início da semana passada.
Carros da polícia incendidos, lojas invadidas, supermercados saqueados, corpo a copo com a polícia fazem parte do ambiente quando a noite cai, embora a maioria venha fazendo passeatas e protestos pacíficos. A polícia é que destoa, como sempre, dessa vez atiçadas pelo presidente Donald Trump que não demonstrou a menor compaixão com a vítima e os familiares. Por isso os manifestantes cercaram a Casa Branca, que teve, numa das raras vezes em sua existência, todas as luzes apagadas. Deu medo. A potência está temerosa.
O caso de Floyd, que durante oito minutos foi estrangulado pelo policial Derek Chauvin, sob o olhar complacente de mais três colegas choca ainda mais por seus apelos: “I can’tbreathe” (“Eu não consigo respirar), e a placidez do policial, totalmente insensível e brutal. A frase vem sendo repetida como mantra nas passeatas, bem como o tempo de estrangulamento virou grito de guerra: “Eight minutes”. Eu entendo que chefe do Departamento de Polícia, mesmo sendo negro, também deveria ser punido. Basta ver que ele tinha ciência de dezoito queixas registradas contra o policial assassino. Nada nunca foi feito.
A morte de Floyd precisa ser situada em vários eventos com contexto na história dos EUA e do mundo. É consequência de desigualdade social multicentenária. Desde o início do século passado que até mesmo proibido de morar em algumas áreas foi determinado para os negros em vários estados. Uma política segregacionista. Uma polícia tão antigregária que a região já foi palco do movimento indígena americano nos anos 1960 por causa da brutalidade. O mesmo ocorrendo com a população gay que se mobilizou em 1980 contra as agressões da polícia.
Esta turbulenta primavera terá consequências imprevisíveis, e é icônico ver o Exército nas ruas, e a ameaça de Donald Trump de enviar a Força Nacional para as cidades e sua atitude inconsequente de ameaçar com tiroteio os saqueadores e manifestantes pacíficos. É bom lembrar que se trata da maior onda de protestos nos EUA desde o assassinato de Martin Luther King Jr., em 1968. Donald Trump acusou os governadores de serem “fracos” e pediu que sejam mais duros. A revolta também chegou ao Brooklin, em Nova Iorque. Foi a partir de lá que os Estados Unidos pegaram fogo em 1968. Uma coisa é certa: tanto nos EUA, como no Brasil, na África e em vários pontos do planeta, sem mudanças econômicas, sociais, filosóficas e estruturais a violência será recorrente. E crescente.
É preciso respirar.
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Escritor e Jornalista; “Autor de Histórias da Bahia – Jeito Baiano” e “Vulgar”