A Lei Maria da Penha descreve em seu artigo 5º como sendo a violência doméstica e familiar contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, e dano, moral ou patrimonial”, quando praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou qualquer relação íntima de afeto.
É de se perceber que a Lei Maria da Penha tenta ser o mais abrangente possível, tentando enquadrar o máximo de condutas e cenários em que a repulsiva prática em questão se encaixe nos moldes rígidos da referida Lei. Todavia, parece não ser o bastante. Tomando o feminicídio como exemplo, que é a mais grave das violências contra as mulheres, os dados são assustadores.
De acordo com a pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, traduzidos no “Mapa da Violência do CNJ”, verificou-se que entre os anos de 2003 e 2013, o número de feminicídios no Brasil passou de 3.937 para 4.762.
O Atlas da Violência 2018, produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), concluiu que em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras, um total de 6,4% em 10 anos, tudo isso levando em consideração que as bases de dados dos órgãos competentes nem sempre tipificam o crime corretamente, e ainda assim, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking mundial do feminicídio, segundo a ACNUDH.
Tal cenário se agrava ao levarmos em consideração que neste momento o Brasil trilha caminho inverso do restante dos países desenvolvidos do resto do mundo, armando a sua população com irresponsabilidade e inconsequência. Trata-se na verdade de uma política de transferência da responsabilidade estatal no âmbito da segurança pública, atribuindo esse dever a uma população com baixíssimo nível de instrução relativo à posse e o porte de uma arma de fogo, o que tem contribuído para um crescimento descontrolado no número de casos de “acidentes” causados por arma de fogo dentro de casa.
No contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher não é diferente. Uma vez que há uma facilitação para a compra de uma arma de fogo, há grandes chances, e elas são reais, de o eventual agressor estar munido de uma arma de fogo. Pensando neste cenário, a Lei 13.880/2019 alterou alguns dispositivos da Lei Maria da Penha, acrescentando incisos direcionados à esta situação, senão vejamos. O artigo 12 da referida Lei recebeu um novo inciso, VI-A, cujo teor nos ensina que o Delegado deverá “verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos esta informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte […]”. Trouxe ainda o inciso IV ao artigo 18, cujo teor reproduz que o juiz, ao receber o pedido da ofendida, e aqui a lei se refere ao pedido de medida protetiva, deverá determinar a apreensão da arma de fogo sob posse do agressor. É de extrema importância salientar que, não há necessidade do uso desta arma de fogo na prática do crime para que sejam tomadas as medidas cabíveis pela autoridade policial e pelo juiz.
Não raras as vezes o agressor se envolvia numa situação de violência física, porém através do simples fato de possuir arma de fogo, era capaz de intimidar a ofendida, e foi pensando nisso que a Lei 13.880/2019 foi promulgada. Pode-se perceber então que, apesar de raro, o legislador acertou com louvável precisão nesta alteração legislativa, a fim de que possa ser dada mais efetividade e eficácia à Lei Maria da Penha.
Nesse quesito, e para concluir, a efetividade e a eficácia do sistema penal brasileiro, naquilo que intrinsecamente deveria conter o tão importante caráter ressocializador, peca em demasia, e como já dizia o Mestre Professor Nelson Hungria, “mais uma polegada, e o crime seria uma espécie de contrato de adesão: o delinquente aceita a ‘obrigação de sofrer a pena’ para ter o ‘direito’ à ação criminosa”.
Herick Leonard Lima Santos
Advogado Criminalista
OAB/BA 60.329
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