De poupança a fonte de recursos para a tão sonhada casa própria, o valor do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos brasileiros está defasado. Pelo menos para aqueles que tiveram contrato formal de trabalho firmado a partir de 1999. Isso porque a Taxa Referencial (TR), utilizada até então para a correção monetária do fundo, não vem repondo as perdas inflacionárias sofridas pelos trabalhadores.
O advogado Otávio Brito Lopes, do escritório Meira Morais e Associados, explica que a legislação vigente determina reajustar o FGTS com o mesmo índice da poupança, ou seja, TR mais 3% ao ano. “No entanto, a TR não é um índice que reflete a inflação. Ela não foi criada para repor o poder de compra dos trabalhadores”, diz ele, ressaltando que, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) fechou 2012 em 6,2%, a remuneração do FGTS ficou em quase zero.
Lopes informa que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de março deste ano, que considerou a TR como inconstitucional e ilegal em ações de precatórios, abriu precedente para que os trabalhadores entrem na Justiça pedindo revisão dos valores do FGTS.
“É preciso utilizar um índice que leve em conta a inflação, que nada mais é do que a perda do poder aquisitivo da moeda”, afirma ele, informando que, dependendo do caso, a perda já chegava a 88,30% no ano passado.
Levantamento do Instituto FGTS Fácil, revela que, apenas este ano, a diferença entre a TR e o INPC representa uma perda financeira de R$ 24,4 bilhões. Esse é o valor a mais que deveria ter sido repassado aos cotistas se o reajuste do saldo tivesse acompanhado a inflação entre janeiro e novembro deste ano. “Vamos fechar 2013 com R$ 160 bilhões de perdas”, afirma o presidente da ONG, Mário Avelar.
Segundo ele, um trabalhador que, em novembro de 2002, tinha R$ 10 mil de FGTS, tem hoje um saldo oficial de R$ 16.549,44, levando em consideração a TR. “Se trocássemos a TR pelo INPC, esse valor subiria para R$ 27.617,35. Isso representa uma perda acumulada de R$ 11.067,91, ou seja, de 66,88%”. Como o cálculo não é simples, já que envolve juros compostos, ele recomenda utilizar o sistema gratuito disponível no site www.fgtsdevido.com.br. “Lá, o trabalhador tem como acompanhar mensalmente a evolução dessas perdas”.
De acordo com o advogado Otávio Brito Lopes, todos os brasileiros empregados com carteira assinada nos últimos 14 anos poderão pedir a correção do FGTS na Justiça Federal. “Aposentados e contribuintes que já tenham sacado o fundo também têm direito à revisão”, destaca. O primeiro passo é ir a uma agência da Caixa Econômica Federal solicitar os extratos de todas as contas existentes no nome do trabalhador. O serviço é gratuito.
De posse dos extratos, a recomendação do advogado é procurar o sindicato que representa a categoria do trabalhador. “Em geral, a ação coletiva onera menos o trabalhador e vale a pena para quem tem um saldo pequeno a receber”, justifica. No entanto, quem preferir, pode ingressar com uma ação individual na Justiça Federal. Basta procurar ajuda de um advogado especializado.
Apesar de reconhecer essa possibilidade, Lopes não recomenda que o trabalhador opte pelo processo de forma individualizada. “Não estamos falando de uma ação simples. Muito provavelmente ela vai parar no STF, pois envolve alguns direitos que estão na Constituição Federal. E isso é coisa para durar, em média, dez anos”, opina.
Sem querer desanimar, o advogado diz que todas as ações julgadas até agora sobre o assunto foram consideradas improcedentes na primeira instância. “Apesar de reconhecer que há perdas, os juízes ainda estão receosos de trocar o índice de correção. Acredito que seja porque o acórdão do STF ainda não tenha sido publicado. Mas, já ingressamos com recursos”.
O presidente do Sindicato Nacional do Aposentados, Regional Bahia, Nilson Bahia, diz que a entidade já ingressou com mais de 40 processos de aposentados. “Estamos trabalhando nisso há três meses. Mas não temos nenhuma conclusão. Recebemos os processos e encaminhamos para o nosso jurídico nacional”.
Quem tem direito a pedir reembolso das perdas?
A regra vale tanto para quem tem conta ativa quanto inativa de FGTS. Ou seja, vale mesmo para quem tenha retirado o saldo por desligamento da empresa ou para usá-lo em qualquer uma das condições definidas pela Caixa, como compra de imóvel, doença, etc.
Aposentados também podem requerer a diferença relativa ao tempo trabalhado entre 1999 e 2013.
Como é feito o cálculo dos valores?
De acordo com o período em que o trabalhador teve valores depositados na conta do FGTS, é avaliado se os depósitos foram feitos entre 1999 e 2013, período em que a TR tem rendido abaixo da inflação. Em cima desses valores, é feito o cálculo de quanto deveria ter rendido o FGTS caso fosse reajustado com base no INPC. A diferença entre os dois valores (o recebido e o que deveria ter sido recebido em caso de rendimento de acordo com a inflação) vai ser o valor requerido no processo.
Quais os documentos necessários para entrar com ação?
O trabalhador precisa de RG, CPF, carteira de trabalho, número do PIS e extrato do FGTS de todas as contas. O extrato é solicitado gratuitamente em qualquer agência da Caixa Econômica Federal e o prazo para entrega do extrato é de cinco dias úteis. A advogada Nara de Oliveira esclarece que, como a demanda tem sido grande, é possível que haja demora na entrega do documento.
É melhor entrar com ação individual ou coletiva?
Em geral, a ação coletiva onera menos o trabalhador e vale a pena para quem tem um saldo pequeno a receber. Por outro lado, na ação individual, o advogado dedica-se apenas à solicitação do cliente. Em cada uma das opções, no entanto, é preciso avaliar bem o advogado que está sendo contratado.
As empresas serão oneradas?
Inicialmente, não. Como a gestão do FGTS é feita pela Caixa Econômica Federal, é ela quem deve ser acionada. No entanto, um parecer judicial positivo em relação às ações pode levar aos questionamentos futuros referentes ao pagamento de 40% da multa sobre o saldo do FGTS. Mas as ações estão sendo movidas contra a Caixa.
Com informações do Correio*