Viúvas cumprem com desvelo a tarefa de lamentar a morte dos maridos; os sufrágios pela alma do falecido representam uma maneira de não esquecê-lo e de mostrar a todos que naquele momento de dor ninguém deve fazê-lo. Por idealização da santidade, qualquer um é capaz de, à beira do túmulo, féretro sucumbindo, lançar em voz alta as últimas palavras de dignidade direcionadas a quem se vai.
Funérea esta introdução, mas autoexplicativa por exemplificar as atitudes de algumas pessoas que se colocam como grandes entendedoras de política e mal sabem o significado de democracia, melhor: mal sabem perder. Bom papel faz quem arrumou as malas e promete desistir do Brasil. É melhor partir para Miami do que permanecer engrossando o coro das viúvas da ditadura militar.
Pois nem mesmo o candidato derrotado Aécio Neves se posicionou a favor daquela meia dúzia de manifestantes que desejavam a volta dos militares, nas ruas de São Paulo. É que as viúvas atuais não devem ter ouvido falar das viúvas verdadeiras, mulheres que tiveram seus maridos assassinados por uma simples oposição ideológica e política ao militarismo. Imploram e pedem intervenção militar como se boa coisa fosse.
Todas as alternativas de protesto foram esgotadas desde o fatídico domingo, 26 de outubro, quando Dilma Rousseff foi reeleita presidente. Desde o assédio preconceituoso ao Nordeste às passeatas fascistas no centro paulistano, o repertório não muda, aos poucos se oxida. Vale ressaltar que as viúvas não se cansam e não devem se cansar nem mesmo quando as possibilidades democráticas, ainda que antidemocráticas em seu conteúdo, se extinguirem.
Existem duas possibilidades para o aumento das vozes das viúvas: o Congresso Nacional, especialmente o Senado, adquiriu uma perspectiva ainda mais conservadora após as eleições; parece cada vez mais o reduto das oligarquias cafeeira e leiteira do final do século XIX. Para completar, o PMDB assumiu de fato sua posição de mercador da política nacional. Sempre exerceu esta prática, mas agora é muito pior.
Na Câmara Federal, a iminente vitória do candidato à presidência da casa, Deputado Eduardo Cunha, coloca sobre a relação PT/PMDB uma interrogação; Cunha faz crer que não terá fácil diálogo com as proposições do governo. E os deputados comemoraram, na última semana, a derrubada do decreto dos conselhos populares, sob a alegação de que ele feria as prerrogativas do Legislativo. Ode à participação popular, razão do conservadorismo.
Uma família paulista, segundo matéria do UOL, parte para Miami em 15 de novembro; dizem desistir do Brasil e das dificuldades que o país vai enfrentar a partir de agora. Eleitores de Aécio, eles não esperavam que muita coisa fosse feita, mas pelo menos mudasse o panorama. Esta família tem todo o direito de ir embora, assim como aqueles que ficam tem o direito de protestar; eles só não têm o direito de desistir do Brasil.
E lutar por este país não significa passar por cima da vontade da maioria e achincalhar a democracia; lutar pelo Brasil não é exigir a intervenção militar que arranque do seu posto uma presidente eleita com os votos da maioria; lutar politicamente pelo Brasil é fazer oposição ideológica e política baseada em debates claros e não em xingamentos e depreciações.
Independente do pranto convulso das viúvas, a política nacional segue em frente, com desafios cada vez maiores. O país anseia por lutas cujo prêmio seja seu crescimento e desenvolvimento. Em vez de chorar, prantear uma vitória que não aconteceu, é hora de abrir caminho para auxiliar o governo eleito, que tem seus deméritos, mas ainda assim é aquele que está no poder.