Há quem diga que Rubem Fonseca vinha se repetindo e perdeu o poder da pena. Vários garantem que ele submergiu. Mas, para a maioria dos outros escritores, como certa vez assegurou o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que era seu amigo e vizinho no Rio de Janeiro, o que os críticos chamavam de fraco, sem alma, era na verdade uma displicência intencional, algo meramente aparente. Um fazer típico de um escritor que domina sua arte e o faz – usando um termo atual – cheio de empoderamento.
Mas, foi ele, que considero o mais importante cronista desde o final do século passado na Língua Portuguesa, quem renovou nossa literatura, usando inventividade, criaturas e almas que eram passadas em linguagem direta e muitas das vezes virulenta. Morreu, depois de influenciar gerações. Estava pertinho de fazer 95 anos.
Para quem quer relembrar ou descobrir a obras de Rubem Fonseca, basta invadir seu kit de obras clássicas como “Feliz Anovo Novo”, “Lucia McCartney”, “O cobrador”, “A Grande Arte” ou “Agosto”. Ele publicou 25 obras, que tinham impressas seu modo urbano ou mesmo urbanoide, com secura, muito erótico, bastante violento, mas colorido na essência.
Foi este seu estilo atrevido que o levou a ser contemplado pelo Prêmio Camões, em 2003, o mais importante da Língua Portuguesa. Ganhou também o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2015 e tantos outros, notadamente no exterior onde costumava receber convites e aceitar, ao contrário dos convites que recebia no Brasil e rejeitava por não querer se expor, por achar que se estivesse exposto perderia a matéria-prima para o feitio de sua obra, que era justamente a observação do ser humano. Tanto que seus livros trazem justamente um sensível olhar sobre os homens e suas tragédias, seu cotidiano, suas ambições e vitórias. Rubem Fonseca tinha um olhar especial. Sua obra transitando entre o moderno e o clássico.
Mas, como eu disse recentemente num comentário de rádio, além da queda, coice. É assim que parece a triste realidade brasileira, com as mazelas da pandemia do Covid-19, as diferenças políticas, as fake News, a morte de Moraes Moreira, e como se não bastasse tanta tristeza morre Rubem Fonseca. É o Brasil ficando mais burro e menos alegre. Mais um cronista que se vai. Cronista anda em falta desde que morreram Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade e Luiz Fernando Veríssimo e Carlos Eduardo Novaes diminuíram o ritmo. Do final do século passado para cá Rubem Fonseca veio a preencher uma lacuna e se tornou grande. Também como romancista e roteirista.
Levei vários anos tentando entrevista-lo. Não gostava de dar entrevistas. Saia pouco e nos últimos tempos estava quase que totalmente recluso em seu apartamento no Leblon, principalmente depois de um problema que o obrigou a usar bengala e também com a morte do seu amigo João Ubaldo Ribeiro, com quem de vez em quando ia encontrar outros escritores e amigos na Ceasa do Rio de Janeiro ou no almoço entre os dois, tradicional, todas as terças-feiras.
Tentei uma vez me inserir no tradicional almoço entre os dois, mas não deu. João Ubaldo dizia que Zé Rubem, era assim que o chamava, era um gênio e sua obra seria citada por séculos. Rubem Fonseca ajudou a tracejar a cara do Brasil. Seus personagens, suas tramas, seus traumas, suas urdiduras, sintetizavam nossa alma. Tem quem odeie sua linguagem concisa. Tem que ame sua linguagem virulenta. Mas quem é seu leitor faz parte, de uma quase irmandade. Quer ver? Não tem quem não se lembre do sarcástico, amoral, cínico e genial advogado Mandrake, que veio a ser seu personagem mais conhecido, que virou série em tv fechada. Rubem Fonseca era inventividade. E é muito mais que fogo fátuo. É luz.
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Escritor e jornalista. Email: [email protected]